ANPPOM 2018

Texto elaborado pelos pesquisadores e professores de música Prof. Dr. Marcelo Lima, Prof. Dr. Aloysio Fagerlande, Prof. Dr. Marcos Puppo, Prof. Marcos V. Nogueira, Prof. Dr. Sérgio Figueiredo, Prof. Dr. Luciana Del Ben, Prof. Dr. Sonia R. Albano de Lima, Prof. Dr. Marcio Guedes Corrêa, Prof. Dr. Valério Fiel, Prof. Dr. Rogério Costa, Prof. Dr. Rosane Cardoso, Prof. Dr. Regina Antunes, no dia 31 de agosto de 2019, durante o XXVIII Congresso da ANPPOM, em Manaus.

Introdução

No intuito de cooperar com o processo de discussão e atualização contínua dos métodos, instrumentos e procedimentos avaliativos da CAPES, a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, ANPPOM, no seu 28º congresso, apresenta as reflexões desenvolvidas durante o Fórum de Coordenadores de PPGs de Música da área Artes/Música.

O entendimento geral é o de que as idiossincrasias da subárea no que tange às suas produções de pesquisa demandam um olhar diferenciado por parte dos avaliadores, respeitando as particularidades e especificidades. A área é heterogênea e coaduna ferramentas de pesquisa próprias, desenvolvidas a partir de modelos interdisciplinares que têm como base os conhecimentos específicos produzidos para lidar com os vários objetos, enriquecidos através dos olhares e filtros dos pesquisadores para diversos campos de produção e pensamento humanos: da sociologia à antropologia, da história às questões identitárias, da matemática à informática, da física à biologia, da ciências da saúde à educação, da psicologia às neurociências.

Sendo assim, as pesquisas em música, por suas características, se afinam ao grande boom do conhecimento complexo, representado pela ideia de ações transdisciplinares, objeto de reflexões no mundo acadêmico internacional. Por esta razão, os coordenadores dos PPGs de Música do Brasil expõem em linhas gerais suas demandas de avaliação.

Através de uma observação holística da área Artes/Música, e no intuito de manter o diálogo com o Documento de Área da Capes e atualizar as características da subárea música em razão das demandas e ações atuais, propõem-se três grandes campos da pesquisa em música: Formação, Processos Criativos e Estudos Teóricos. Estes três grandes campos se articulam e se intersectam continuamente, e o pesquisador de música está acostumado a lidar com situações nas quais seu objeto é transpassado por eles, independentemente da especificidade de sua pesquisa.

A Formação engloba reflexões tanto a respeito do fazer musical quanto às múltiplas facetas dos processos de ensino e aprendizagem. Em ambos os casos, tanto o olhar parte de dentro para fora do universo de produção, quanto de fora para dentro, visando a compreensão das diversas comunidades de produtores. Estes olhares multidirecionados contribuem não apenas como forma de apreensão dos fenômenos, mas também são propulsores de novos modelos de criação artística, pedagógica e geradores de novos métodos e novas ferramentas de pesquisa, teoria e práticas. Em música, o campo de Formação é também um campo de ação ao ser tomado como processo de pesquisa que se encontra em contínua reinvenção e renovação.

Processos Criativos, por exemplo, abarcam as práticas de criação musical, de modo geral, as teorias que ora delas emergem e ora as provocam. Composição, improvisação, interpretação, performance, modelos notacionais e de escrita, análises dos processos e reflexões visam não apenas resguardar práticas consagradas, como também sua renovação e a produção de práticas novas. Tal como o campo da Formação, encontra-se em contínuo processo de realimentação: práticas desenvolvidas a partir da pesquisa voltam-se sobre si mesmas procurando sempre realocar seus centros, reconstituir suas bases, reestruturar os discursos. É imprescindível a autocrítica criativa, a vivência reflexiva e o diálogo com diversas esferas das produções de conhecimento.

Finalmente, os Estudos Teóricos perpassam tanto a Formação quanto os Processos Criativos. Diferentes estratégias de pesquisa e perspectivas intradisciplinares são a base de um diálogo para a produção de conhecimentos críticos, reflexivos, especulativos, conceituais entre saberes diversos sobre uma diversidade de fenômenos musicais.

Estes três grandes campos sustentam, dão razão de ser, provocam, reterritorializam continuamente os objetos de estudo e caracterizam a música como área de pesquisa.

O Fórum de Coordenadores de PPGs, reunido no 28º Congresso da ANPPOM, está acompanhando as discussões sobre as revisões dos processos de avaliação dos Programas de Pós-Graduação da Capes e reitera a importância da produção em eventos e especialmente o Qualis Artístico para a subárea música. O Fórum se coloca à disposição da Capes para manter o diálogo e apresentar sugestões referentes as subáreas.

Modelos de pesquisa

Em resumo, os modelos de pesquisa em música se configuram tanto nas práticas artísticas quanto na produção de teorias (na forma de artigos, dissertações e teses), sendo que as teorias podem tanto se basear nas práticas como delas resultar.

Práticas e teorias são o fluxo contínuo da produção de saberes em música, e se retroalimentam constantemente. Esta retroalimentação se faz através dos modelos pedagógicos, eles mesmos, frutos deste contínuo ir e vir em que a reflexão se constrói no fazer e as construções teóricas resultam de diálogos com áreas diversas.

Seus produtos se apresentam em formatos diversos: textos, concertos e shows, gravações, vídeos, exposições, aulas, cursos, dentre outros. Os artigos são avaliados a partir dos critérios do Qualis Periódico; livros e capítulos a partir do Qualis Livro; aulas em cursos de curta duração, comunicações em congressos, palestras, dentre outros, a partir de Qualis Eventos; e a produção artística, concertos, shows, composição, arranjo, avaliadas pelos critérios do Qualis Artístico.

Estas pesquisas perfazem o núcleo de produção da Área Artes/Música e é através de seus resultados que os impactos científicos e sociais podem ser apreciados.

Para a Área, a inovação é uma constante, entendida sempre a partir da produção de abordagens diferenciadas para assuntos recorrentes, bem como a produção de novas teorias a respeito de práticas, técnicas e métodos de produção e ensino, bem como a criação de novas práticas artísticas, seja no campo da interpretação e performance, seja nas de composição e arranjo. Para Jacques Attali (1977/2001) a música não apenas se coaduna com as ideias de seu tempo, mas é capaz de prever as mudanças socioeconômicas e políticas de uma sociedade: “Por exemplo, o pensamento político do século XIX está quase todo embrionário na música do século XVIII; a organização política do século XX está na raiz da música do século XIX (…)” (ATTALI, p.24). Eis o papel inovador da música: sua capacidade não apenas de se valer das tecnologias e ideias de seu tempo, mas de instilar aquelas que poderão existir no futuro.

Neste sentido, nossos modelos de pesquisa são parte importante nos processos de desenvolvimento social formado não apenas por Pesquisas Básicas ou Fundamentais “voltadas para o avanço do conhecimento científico” (ABC, 2018, p.8), como também envolvem aspectos que a Academia Brasileira de Ciência credita às Pesquisas Básicas Estratégicas, Pesquisas Aplicadas na Área Social, e Pesquisa Aplicada Tecnológica. Por envolver aspectos de todas estas modalidades, a separação destas especificidades no âmbito dos modelos de pesquisa em música não faz sentido, sendo mais producente para a Área Artes/Música a subdivisão acima proposta: Formação, Processos Criativos e Estudos Teóricos.

Modelos de Avaliação

Contribuindo para o processo de discussão dos modelos de avaliação da Capes, é do entendimento do Fórum dos Coordenadores Programas de Pós-Graduação em Música que a ideia de homogeneização do processo avaliativo (sobretudo do grande Qualis) não atende às especificidades dos modos de produção, registro, divulgação e disseminação da Área Artes/Música. Estes demandam outros modelos que não apenas o bibliográfico e suas avaliações de impacto (citações, internacionalização). Por isso, a área Artes/Música conta com o Qualis Artístico: modelo conquistado e construído ao longo de um massivo processo de reflexão e discussão por parte dos pesquisadores e com o apoio da CAPES. O Qualis Artístico é um avanço para a área, pois valoriza uma parte essencial dos métodos de pesquisa na referida Área. No entanto, como sabemos, os processos de avaliação dos PPGs pela CAPES estão sendo continuamente aprimorados, e o mesmo se aplica ao Qualis. Sabendo desde já da existência dos grupos de trabalho que se debruçam sobre as propostas de renovação dos métodos de avaliação, o Fórum atenta para a relação entre as diversas produções de práticas artísticas em contextos continuamente renovados, reinventados ou criados que demandam novos olhares e critérios por parte dos avaliadores. É nossa opinião que aprimorar o Qualis Artístico para além do modelo vigente, implica em desvinculá-lo de práticas que possam aproximá-lo de uma visão de desempenho, tal como apresentada por Jean François Lyotard (1988), rígida e fechada nos critérios que por vezes favorecem o quantitativo ao qualitativo, e repensar modelos de aferição de qualidade das produções que se traduzam tanto no impacto acadêmico quanto social dos produtos.

Outra ferramenta importante para a avaliação dos programas de música será o Qualis técnico-tecnológico, já em desenvolvimento por um Grupo de Trabalho da própria CAPES. Ele conferirá legitimidade a uma série de atividades e produtos vinculados às pesquisas desenvolvidas pelos Programas, atualmente colocados no grande campo de “produção técnica”, que pouco acrescenta ao processo de avaliação em nossa subárea.

No que diz respeito à internacionalização, o Fórum reconhece a importância do seu papel no âmbito das pesquisas desenvolvidas pelos PPGs de música. Entretanto, não consideramos de menor importância os impactos nacionais, regionais e locais destas pesquisas, tendo em vista o caráter de representação sociocultural, econômica e política da nossa Área. Impactos nacionais, regionais e locais implicam em inovação para o desenvolvimento do país a partir das análises das idiossincrasias particulares que tanto definem a heterogeneidade brasileira. Complementando os propiciados por outras Áreas de pesquisa e produção de conhecimentos, a contribuição da música para o desenvolvimento científico e social do Brasil se funda nas nossas realidades socioculturais e demandas político-econômicas. Portanto, consideramos que uma avaliação que seja sensível a estes aspectos característicos da Área Artes/Música deva leva-los em consideração. Automatizar a internacionalização como critério prioritário pode representar um revés para as pesquisas em andamento e àquelas por vir. Desconsiderar a internacionalização também seria um problema, pois fecharia as portas que viabilizam a difusão, o impacto e sua influência no mundo contemporâneo, tão propício a expandir as discussões em torno das questões relacionadas aos processos pós-coloniais. É, portanto, do entendimento do Fórum que tanto a internacionalização quanto os impactos nacionais, regionais e locais devam se situar em um mesmo patamar de avaliação, buscando valorizar os reais impactos acadêmicos e sociais da nossa Área.

Prof. Dr. Sonia Regina Albano de Lima
Presidente da ANPPOM – 2015/ 2019.