O Discurso Musical no Complexo Cultural Urbano: a Geração de
Sentido (uma Análise Sócio-Semio-Musicológica)(relato)
Regina Marcia Simão Santos
Tudo na sociedade tem poder de
enunciação: a cidade está lotada de "máquinas enunciadoras" (Guattari, 1992,
p. 159) e se faz necessário tomar consciência disso. Ao abordar a música clássica
ocidental na situação de concerto, na sua performance musical moderna, Said (1992)
comenta que "nada é pura musicalidade" (p. 121): há um comprometimento social
da música, que se mostra "sobreposta" e "interdependente de outras
atividades" (p. 152).
Multiplicam-se nos últimos anos os
espetáculos musicais ao ar livre na cidade do Rio de Janeiro, alguns promovidos pelo
movimento Viva Rio, como estratégia de ocupação das ruas. Através deles, vende-se uma
imagem do Rio. O acontecimento musical urbano parece ser uma forma de administrar a
cidade, congregar multidões e constituir o sujeito social. Interessa examiná-lo como
enunciação (o seu funcionamento), como ritual urbano, como ocupação do espaço e como
agrupamento da coletividade.
Esta pesquisa trata da análise do
discurso musical na situação de performance, de enunciação, como acontecimento urbano
contemporâneo e espetáculo da coletividade. Desta forma, fica claro que a análise
pretendida distancia-se da concepção de música enquanto partitura e, consequentemente,
da tendência a uma "semiologia de partituras" (Delalande, 1987, p.105).
Considera-se aqui o acontecimento
musical em sua performance sempre única, irrepetível (Maclean, 1988), seja devido
a fatores contextuais, seja devido à ambiguidade do código musical (dos seus aspectos
mais qualitativos que quantitativos), seja devido à abertura intencional de espaço ao
intérprete para o improviso.
Diversos níveis de enunciação
integram o acontecimento musical, que se apresenta sob forma espetacular (Maclean,
1988) face à sincronicidade de substâncias enunciadoras - algumas não
"estritamente musicais". É o caso do gesto, que integra a realização do som,
ou mesmo o antecipa, e que deve ser considerado na análise do acontecimento musical.
Molino (sd) há muito já destaca a necessidade de se considerarem as variações
incidindo nos gestos. Ele refere-se ao fato musical como heterogêneo, não devendo ser
isolado do quadro em que se integra e que inclui a enunciação do compositor, mas também
a do intérprete e envolve outros elementos de expressão, além dos tidos como
estritamente musicais. Em texto de 1988, Delalande (1993) discorre sobre o gesto do
intérprete, tomando o caso de Glenn Gould tocando uma obra de Bach, a partir de
observação empírica de filme fornecido por Bruno Monsaingeon. Considera para análise
apenas o que enquadra o corpo, o piano e a mão, simultaneamente: gesto revelador da forma
como o intérprete "segmenta a partitura" (p. 102), mas sem uma relação
sistemática entre tipo gestual e um certo tipo de escrita, pois o gesto muda ante a
repetição de um segmento da obra. Delalande afirma que "todo interesse no estudo da
gestualidade de Gould é reconduzir à problemática geral da semiologia" (p. 105-6),
sem a relação significante / significado entendida termo a termo (enfoque saussuriano).
Delalande conclui que Gould se utiliza de analogia orquestral e da representação
do tempo, na sua gestualidade ( p. 107).
Ao adotar uma perspectiva
sócio-semiológica (Verón, 1980)1,
na linha da semiologia do discurso (Pinto, 1994)2
- que se afasta das ênfases semiológicas anteriores, colocadas na comunicação e
na significação -, esta pesquisa prioriza a textualidade e o ritual
social da enunciação. Toma por base a performance como textualidade (Verón,
1980; Bettetini,1986), ao invés da gramaticalidade que fragmenta o texto em unidades
mínimas e lineares de sentido: uma cultura textualizada e não gramaticalizada, diz Yuri
Lotman (Barbero, 1987, p. 238), já que um texto remete sempre a outro texto, importando o
que passa por aquele, e não as estruturas e combinatórias.3
Remete a textos não explicitados, a textos de procedência diversa: uma intertextualidade
(De Marinis,1982)4. Um texto é
vários textos e importa investigar o plural que o constitui (Barthes, 1992): que traços
remetem a "menções anteriores, ulteriores ou exteriores, a outros pontos do
texto ou de outro texto", não sendo associação ao nível de um sujeito (p.
42). Pode-se falar que a música remete a ela mesma, isto é, ela é o retorno de si
mesma, numa nova enunciação; e remete às que são do mesmo gênero.
Esta pesquisa toma por base o ritual
social da enunciação, no seu conjunto de fatores (Maingueneau, 1993)5: o contexto cultural em que o
espetáculo se insere, o contexto espetacular propriamente dito (o espaço
intertextual do espetáculo) e, nele, a situação concreta na qual ocorre o texto
espetacular. Há as "condições genéricas" (o a priori) do ritual e há o que
é "tecido pela enunciação efetivamente realizada" (Maingueneau, 1993, p.40).
Desta forma, esta pesquisa afasta-se da análise da música como modelo abstrato, proposta
por Delalande (1988,9), esperando que o receptor abstraia do objeto-música todas as
particularidades devidas às circunstâncias. Nesse ritual da enunciação está em
evidência o que o legitima: quem o enuncia, em que situação, sob que formas. Solie
(1993), McClary (Solie, 1993) e Sheperd (Solie, 1993), dentro da chamada nova
musicologia, aproximam-se desta ênfase, ao advertirem para o estudo da música como
fenômeno cultural, considerando a posição social dos criadores e ouvintes e, nas
palavras de Sheperd, como "uma base para o exercício do poder"(p. 49).
O objetivo geral da pesquisa - investigar
como opera o modelo comunicacional na relação poiesis-estesis na música presente nos
centros urbanos ocidentais contemporâneos, vista como acontecimento e espetáculo da
coletividade - traduz-se mais especificamente nos objetivos a seguir: (1) analisar a
possibilidade de existência de operações discursivas (operações enunciativas) no
acontecimento musical, tendo em vista a geração de efeitos de sentido no receptor; (2)
analisar como opera a heterogeneidade constitutiva (intertextualidade) na produção do
acontecimento musical, em função da geração de efeitos de sentido no receptor; (3)
analisar coerções na circulação de um meio discursivo a outro; (4) analisar como parte
do acontecimento musical a própria platéia e a forma de socialidade estabelecida nesta
prática social do instante; (5) analisar as estratégias de recepção do discurso
musical enquanto máquina enunciadora; e (6) analisar a relação das estratégias de
recepção com possíveis marcas deixadas no discurso musical como instruções para que o
receptor refaça as mesmas operações enunciativas.
Por comunicação, entenda-se que
ao se adotar nesta pesquisa o enfoque de uma semiologia de produção de sentido (Verón,
1980), esta em nada se assemelha a uma "teoria comunicacional da
significação" (p. 81), em termos do exposto por Prieto (1ª semiologia, de cunho
saussuriano), nada tem a ver com a idéia de eficácia comunicativa num modelo mecanicista
de comunicação, na relação emissor - receptor no envio de mensagem. Barbero (1987)
fala da presunção de que o máximo de comunicação funciona sobre o máximo de
informação e este, sobre a univocidade do discurso. Daí, seria impensável tudo o que
na comunicação não é redutível à transmissão e medição de informação - ou
porque não cabe no esquema tradicional emissor / mensagem / receptor, ou porque
apresenta assimetria de códigos. Deve-se entender o receptor não como mero decodificador
da mensagem do emissor, mas como produtor de sentido, fragmentando a obra diversamente de
como o autor a concebe. Nattiez (1993), para quem a poiesis não tem vocação
propriamente de comunicação - resta saber como ele define este termo - , admite
que nenhum compositor pode prever totalmente como sua obra será percebida, "
estratégias estésicas não são jamais a imagem em espelho das estratégias poiéticas,
e (...) nenhum decreto pode fixar como é preciso perceber uma obra, o ato de percepção
sendo fundamentalmente livre"(p. 173). Solie (1993) adverte para o fato de que os
estudos musicológicos centrados na situação de performance e na perspectiva social não
representam incremento algum, pelo simples fato de admitirem a existência da diferença
cultural. De uma forma sutil, justificam a diferença na recepção como uma escuta
marginal, desviante, permanecendo a imposição de um discurso padrão, dominante,
universalista, que concebe um "ouvinte ideal", em nome de uma unidade. Nattiez
(1993) ressalta que "utopia" na comunicação se deve quando a expectativa é de
simetria entre poiesis e estesis (p. 179). Da mesma forma, destaca ainda que não se pode
falar que as músicas sejam inaudíveis, que delas nada se entenda (p. 179).
Sobre estas questões há de se atentar para o fato de que existem expectativas criadas
dentro de uma prática discursiva específica, dentro de um tipo, gênero discursivo
específico (Bettetini, 1986): há um "imaginário social" que é
"específico de cada tipo de discurso" (Verón, 1980, p. 220, 235).
Por enunciação, entenda-se a
prática de uma heterogeneidade enunciativa tanto constitutiva
(intertextualidade) quanto mostrada (seus operadores, suas marcas). Consideram-se
os vários níveis (momentos) de enunciação: do compositor ( que registra o enunciado
musical, que não se define em termos quantitativos - por exemplo, um determinado
"tamanho de frase"); do arranjador; do intérprete; do regente; do "grande
orquestrador" do acontecimento musical6;
do promotor - organizador - administrador do evento; do receptor. Há a enunciação que
decorre da relação interna entre as músicas de um programa, na forma como são
sequenciadas (um agenciamento sequencial do programa): neste caso, a música não vale só
por si, mas pelas relações entre as que a antecedem e sucedem7.
E há a enunciação na circulação: de
um universo discursivo a outro,8 ou
no mesmo universo discursivo ... Em todos estes níveis convem investigar o que é
suscetível de marcar9 a
enunciação, deixar nela certos traços, tendo em vista a produção de sentido no
receptor. Ao analisar como a obra Répons, de Boulez, foi "deliberadamente
organizada de forma a reunir diferentes públicos possíveis ( Nattiez, 1993,p. 190),
sendo "responsável pela multiplicidade e diversidade de estratégias estésicas que
ela desencadeia"(p. 203), Nattiez (1990) admite: "as razões que explicam a
recepção positiva desta obra não sejam [talvez] totalmente aquelas que irei avançar
baseadas apenas no exame da partitura"(p. 5). Reconhece, à parte, questões outras
como um possível esnobismo local, o deslumbramento ante a tecnologia, a cobertura
realizada pela mídia, um certo carisma do regente (Nattiez, 1993, p.190).
Quanto à metodologia, esta pesquisa
articula um domínio empírico e um teórico, com observação participante, análise
documental10, análise de
partitura e entrevista. Delimita a investigação ao acontecimento musical que se dá em
espaço ao ar livre (ruas e praças), congregando multidões, caracterizado como um
tipo (gênero) de espetáculo musical conhecido como "concerto de música
clássica", instrumental - independente da formação do conjunto ou da
constituição do programa -, considerado na sincronicidade enunciativa e na relação com
o contexto e a situação. Toma como universo de concorrência 11o acontecimento musical das salas de
concerto: entende-se que discursos concorrentes exploram diferentemente as coerções
genéricas, cada um investindo as regras próprias do gênero no processo de produção -
recepção de sentido.
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Notas:
1 - Adiscussão desenvolvida por Verón
é sobre modalidades de recepção e o que está posto nos diversos níveis de
enunciação discursiva, como marcas tendo em vista a geração de sentido no receptor.
Considera que "gramática de produção e gramática de reconhecimento não coincidem
jamais exatamente" (Verón, 1980, p. 201): não são certamente as mesmas marcas que
significam, não se confirmam estratégias discursivas designadas no nível de produção
do discurso.volta
2 - Todo objeto presente na cultura é
um discurso caracterizado por uma heterogeneidade enunciativa, um discurso social
em que vigora uma semiose infinita e que se constitui como um sistema organizado
que excede fragmentações de ordem sintática. Este discurso social é sempre diferencial:
cada situação gera um discurso diferencial, com suas marcas enunciativas. (Pinto, 1994,
pp.14-20). volta
3 - Desta forma, entende-se que o fato
musical excede toda possível análise estrutural ou distinção taxionômica (Nattiez,
sd) e que uma semiologia descritiva - centrada no signo, no levantamento de
"semas" e "eixos semânticos"- só permite reproduzir "as
generalidades de uma semântica do dicionário" (Verón,1980, p. 83).volta
4 - Intertextualidade na produção e na
recepção, voluntária ou involuntária, explícita ou dissimulada, sincrônica ou
diacrônica.volta
5 - Maingueneau (1993, p. 56) refere-se
à cena enunciativa como a formação discursiva que constrói lugares de
enunciação por meio de um funcionamento por heterogeneidade mostrada e heterogeneidade
constitutiva. Refere-se à cena social como a organização social do discurso, o
contexto social, lugares institucionais e seus ritos, a comunidade dos que produzem, dos
que promovem a circulação e dos que se reúnem em nome de certo discurso e nele se
reconhecem.volta
6 - "Grande orquestrador" é
termo adotado aqui em substituição ao termo "grand imagier", tomado de Albert
Laffay por Gaudreault (1989), referindo-se ao mestre que arruma a imagem no cinema, não
sendo um ser vivo (como o autor) ou um ser imaginário, mas um grupo de produção
que cuidaria da articulação, montagem do acontecimento ( nesta pesquisa, acontecimento
musical).volta
7 - Veja-se o depoimento de reconhecido
regente (coral) brasileiro: "Não há como negar a importância da ordem de
apresentação das obras de um repertório durante um determinado programa. Mesmo quando o
coro não está atento para isso, o resultado final, a percepção que o público tem e
com frequência a própria performance do coro, estão condicionados pela
ordem do programa, e, na verdade, sempre existe uma escolha, que portanto deve
ser assumida" (Ramos, 1988, p. 20).volta
8 - Do anúncio no jornal à propaganda
na TV ou ao out-door, há uma construção do acontecimento musical. Isto também ocorre,
caso a transmissão seja ao vivo, via Embratel ou via Intelsat , para o
Brasil ou para o mundo, ou caso vire uma tournée... O videoclipe vende a música,
vende o som, vende o show; o show vende o disco, o CD; a escuta de um disco remete ao show
e à performance visual e gestual do intérprete em apresentações anteriores ... volta
9 - Verón (1980) fala de operações
discursivas como operações reconstruídas a partir das marcas inscritas nas superfícies
significantes do texto (no caso, o acontecimento musical). A análise de marcas na
matéria textual deveria permitir a descrição de um campo de efeitos de sentido no
nível de produção.volta
10 - Nattiez (1987, p. 176-9) fala da
"poiética indutiva" e da "poiética externa" : a primeira tira
conclusões a partir do nível neutro e a segunda, parte de documentos poiéticos: cartas,
esquemas, documentos informativos que indicam como as obras devem ser julgadas,
percebidas. Contudo, há limites para a leitura de tais documentos, já que não se pode
reconstituir as condições de outro momento histórico- social: fazem-se apenas novas
construções . Quanto ao receptor de um espetáculo musical, Nattiez (1993) adota a
hipótese de Glenn Gould, de um receptor "irremediavelmente situado fora do
tempo", isto é, "totalmente inculto historicamente"(p. 168). As obras
escapam, fogem às contingências sócio-históricas em que foram criadas: os diferentes
parâmetros não funcionam da mesma forma no curso da história da música, além do que o
receptor pode atentar para um aspecto, pode se dirigir para outras qualidades sonoras que
as que o compositor tratou como valores, pode adotar outros critérios na escuta. Nattiez
reconhece também que o exercício de análise do pesquisador depende de uma certa
interpretação do poiético ( advertência que Verón também faz). volta
11 - Verón (1980) diz que "do
ponto de vista discursivo, um texto não é senão aquilo que o diferencia de outro
texto" : não há "propriedades em si dos textos"(p. 194); é a
diferença que suscita uma explicação. Importa ainda atentar para a advertência de que
talvez os mesmos elementos já não desempenhem o mesmo papel: pode-se estar dizendo eu
e estar em um regime diferente de produção de sentido...volta