Dinorá de Carvalho e sua Obra para Canto e Piano (relato)
Flávio Carvalho
Esta comunicação pretende apresentar o
resultado parcial de um projeto de tese que vem sendo desenvolvido por nós sobre a obra
para canto e piano da compositora Dinorá de Carvalho.
Numa rápida apresentação da
compositora, temos como ponto relevante a apresentar o fato de que no dia 1 de Junho deste
ano se comemorou os 100 anos de nascimento de Dinorá de Carvalho. Esta data é fruto de
nossas pesquisas, e pode ser confirmada por sua certidão de nascimento encontrada em
Uberaba MG, onde nasceu a compositora. A ocasião foi comemorada com um recital no
auditório do Instituto de Artes da UNICAMP, onde foram executadas obras de Dinorá de
Carvalho, tendo como intérpretes J. A. Almeida Prado, Maria Lúcia Pascoal e Flávio
Carvalho.
Dinorá de Carvalho começou seu estudos
de piano no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e foi muito apreciada como
virtuose. Seu sucesso como pianista lhe valeu uma bolsa de estudos em Paris onde estudou
com Isidor Philip ( 1863-1958), para onde partiu em 1921. De volta ao Brasil (1923 ou 24),
foi incentivada por Mário de Andrade a se dedicar a composição, sendo apresentada por
ele a Lamberto Baldi com quem estudou composição. Também estudou com Martin
Brawnvieser, Ernest Mehlich e Camargo Guarnieri (1907-1993).
Foi uma professora festejada e como
compositora recebeu muitos prêmios e condecorações. Dentre eles destacamos o convite
feito pelo MEC em 1960 para seguir em Missão Cultural para a Europa apresentando suas
obras e de outros compositores brasileiros, o Prêmio de Melhor Obra Vocal de 1977
oferecido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), por sua obra Missa De
Profundis para 4 solistas, coro, orquestra e percussão, dentre outros.
Obras
Durante sua vida como compositora,
Dinorá de Carvalho escreveu para instrumentos solistas, corais, Coral e orquestra,
conjuntos de câmara, piano e orquestra, orquestra sinfônica, música para teatro e
canções. Temos então respectivamente:
Piano
solo:...................................................44 peças
Harpa:.............................................................2 peças
Corais:............................................................6 peças
Coro, orquestra de cordas e percussão:...1 peça
Piano e orquestra:........................................4 peças
Orquestra sinfônica:....................................2 peças
Orquestra sinfônica e coro:........................1 peça
Música para teatro:......................................1 peça
Quanto as canções para canto e piano,
foram catalogadas por nós 40 peças:
ANO |
TÍTULO |
TEXTO |
NOTAS |
1933 |
Pipoqueiro |
Anônimo |
Parte editada: São Paulo: Vitale, 1938 |
|
Acalanto |
Cleomenes de Campos |
Parte editada: Edição reservada |
1936 |
Canção da saudade * |
Cezar Salgado |
ms |
1948 |
Pobre cego
Mosaico
Menino mandú
Quem sofre *
Banzo
Pau piá
Ê-Bango-bango-ê
Coqueiro, coqueiro irá |
Folclore
Geraldo Vidigal
Folclore
Menotti del Picchia
Menotti del Picchia
Folclore
Folclore
Folclore |
Editada: SP: Mangione 1948
ms
ms
ms
ms
Editada: São Paulo: Vitale, 1955
Editada: São Paulo: Vitale, 1955
ms |
1949 |
Qibungo tê-rê-rê
Signal de terra
Velas ao mar |
Folclore
Cassiano Ricardo
Alberto de Oliveira |
Editada: São Paulo: Vitale, 1955
ms
ms |
1950 |
Último retrato * |
Maria A. Franquini Neto |
ms |
1955 |
Ausência |
Suzana de Campos |
ms |
1960 |
A ti flor do céu
Perdão
Sum-sum
Num Imbaiá
Epigrama n. 9 |
Theodomiro Alves
Milton Marques
Folclore
Folclore
Cecília Meireles |
ms
ms
ms
ms
ms |
1966 |
Canção do embalo |
Cecília Meireles |
ms |
1969 |
Instantâneo do adeus * |
Elza Heloísa |
ms |
1970 |
Ideti: a menina preta que buscava Deus |
Dioscoredes dos Santos |
ms |
1972 |
Samaritana *
Fogo
Água que passa
Ar
Cantiga de ninar * |
Paulo Bonfim
Paulo Bonfim
Paulo Bonfim
Paulo Bonfim
desconhecido |
ms
ms
ms
ms
não há maiores informações |
1974 |
Uai-ninim
Quim-gue-lê
Escrava mãe * |
Folclore
Folclore
Anônimo |
ms
ms
ms |
1975 |
Carmo
São Francisco
Teu rosto azul |
Carlos Drumond de Andrade
Carlos Drumond de Andrade
Fúlvia Lopes de Carvalho |
ms
ms
ms |
1979 |
Canção ingênua
Onde estás |
Milton Vaz de Camargo
Alice Camargo Guarnieri |
ms
ms |
1980 |
Espelho
Presença |
Jandyra Sounis Carvalho de Oliveira
Jandyra Sounis Carvalho de Oliveira |
Canção deixada incompleta pela compositora
Canção deixada incompleta pela compositora |
Sem data |
Berceuse |
Jacques D'Avrai |
ms |
Destas canções, 7 delas não puderam
ser encontradas quer como manuscritos ou cópias, totalizando 17,5% do total catalogado
por nós.
Pudemos notar que as canções de
Dinorá de Carvalho podem ser divididas em três fases, levando-se em conta a ideia de
musica nacional vinda de Mário de Andrade e seu desenvolvimento nas composições, as
técnicas de composição, bem como, as fontes literárias ou textuais:
Primeira fase: Vai de
1933, quando compôs as primeiras canções, Pipoqueiro e Acalanto, a 1949
com Quibungo tê-rê-rê.
Segunda fase: Vai de 1949
com a composição de Signal de terra, a 1969 com Instantâneo do adeus.
Terceira fase: De 1970,
com Ideti: a menina preta que buscava deus, a 1980 quando deixou incompletas duas
canções Espelho e Presença.
FASE |
HARMONIA |
TEXTO |
I (1933-1949)
Experimentalismo nacional |
Tonalismo aberto |
Folclore negro,
autores modernistas |
II (1949-1969)
Sentimento nacional ou nacionalismo livre |
Atonalismo personal |
Poetas contemporâneos,
folclore mineiro,
temas líricos |
III (1970-1980)
Inconciência nacional |
Técnica serial, estruturas rítmico-melódicas de caráter
pessoal |
Poetas nacionais,
folclore negro,
idiomas estrangeiros |
Na primeira fase, temos como
característica a influência das idéias de Mário de Andrade sobre música nacional que
se encontram no seu livro Ensaio sobre a música brasileira, que foi um grande guia
para a compositora que contou ainda com o apoio de Mário de Andrade em pessoa como já
vimos anteriormente.
Em termos harmônicos, notamos que
Dinorá se utilizou de um tonalismo bastante aberto ao experimentalismo da época e a
procura de novos timbres.
Nas 12 canções desta fase, a
utilização do folclore negro é sensível. Os padrões rítmicos destas canções
geralmente vem do atabaque do candomblé e outras manifestações folclóricas registradas
no livro Música de feitiçaria no Brasil de Mário de Andrade. Os textos
utilizados aqui vem, em geral, do livro O folclore negro no Brasil recolhidos por
Artur Ramos. Outros textos são de Menotti del Picchia, Geraldo Vidigal, Cezar Salgado e
Cleomenes de Campos.
Na segunda fase, as ideias de música
nacional de Mário de Andrade ainda podem ser sentidas porém de forma mais aberta, onde
os desenvolvimentos harmônicos e formais que ocorriam na música universal eram
utilizados de forma criativa e personal, criando porém uma música universal em sua
criatividade e valor. Isso, em nosso ponto de vista, vem de encontro à frase de Mário de
Andrade que diz, se referindo a uma tradição de música nacional, curta mas efetiva, que
"(...) isto baste pra gente adquirir agora já o critério de música nacional que
deve ter nacionalidade evolutiva e livre."(pag 17) ou ainda: "A reação contra
o que é estrangeiro deve ser feita espertalhonamente pela deformação e adaptação
dele. Não pela repulsa."(pag 26)
Harmonicamente esta segunda fase abre um
período atonal, em que a compositora procura, com novas organizações de sons uma
renovação timbrística tanto no acompanhamento como na linha melódica. É exigido do
cantor, nestas composições, um maior empenho em descobrir novos timbres e cores vocais
que venham de encontro com as inovações timbrísticas do acompanhamento.
Temos como característica a
utilização de textos de poetas contemporâneos à composição e uma maioria de temas
líricos. O folclore aparece em duas das 11 composições do período, porém não mais o
folclore negro mas o folclore regional de Minas.
Em 1970, com a criação de Ideti: a
menina preta que buscava deus, começa a terceira e última fase. Aqui encontramos um
nacionalismo que Mário de Andrade chamou de inconsciência nacional, em que o compositor
já não pensa mais conscientemente em suas raízes mas elas já fazem parte dele e de sua
obra de forma efetiva.
Harmonicamente temos a utilização de
forma personal da técnica serial, e de padrões ritmico-melódicos como os criados por
Oliver Messiaen (1908- ) que os chamou de modos.
Os textos aqui são de autores
nacionais, estando o folclore negro outra vez presente. A presença de uma canção em
língua Nagô, Ideti, e uma canção em Francês Berceuse, são
surpreendentes já que toda sua obra vocal, com exceção dessas duas é em Português,
sendo, porém, brasileiros os seus autores.
O intérprete é mais exigido nesta
fase, onde é necessário grande independência em relação ao acompanhamento que, na
maioria das 15 canções do período, se apresenta bastante desconectada com o canto,
estando mesmo ausente durante a execução do canto, e este por sua vez, ausente durante a
execução do acompanhamento.
Desta forma, esta visão panorâmica das
obras de Dinorá de Carvalho nos dá a certeza de estarmos diante de uma compositora de
grande envergadura, devendo figurar ao lado de nomes como Villa-Lobos, Guarnieri, Mignone,
Sousa Lima e outros grandes compositores nacionais.
Nossa pesquisa pretende resgatar as
canções de Dinorá de Carvalho do limbo do esquecimento e pretende tornar estas obras
acessíveis a todos os cantores e interessados, com a breve publicação dos manuscritos
juntamente com uma análise interpretativa dos mesmos, e uma biografia comprovada da
compositora.
Bibliografia:
ANDRADE, M. Aspectos da Música
Brasileira. São Paulo: Martins, 1965.
____________ Ensaio Sobre a Música Brasileira. São Paulo: Martins; INL, 1972. 3°
ed.
____________ Música de Feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; INL, 1983.
2° ed.
____________ Música e Jornalismo. São Paulo: Hucitec; Edusp, 1993.
BARONCELLI, N. Mulheres Compositoras. São Paulo: Roswitha Kempf, 1987.
BRANCO, H. Entrevista concedida a Flávio Carvalho. Brasília, 21 Fevereiro, 1995.
CARVALHO, G. Entrevista concedida a Flávio Carvalho Uberaba, 03 Setembro, 1994.
FERREIRA, P.(org.) Dinorá de Carvalho: Catálogo de Obras. São Paulo: Vitale;
Ministério das Relações Exteriores, 1977.
ISAACS, A ; MARTIN, E. Dicionário de Música. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
IZZO, M. Noções Elementares de Música. São Paulo: Vitale, 1946. 4° ed.
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MARIZ, M. Dicionário Biográfico Musical. Rio de Janeiro: Philobiblion; INL, 1985.
2° ed.
________ História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
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MOURÃO, I. Entrevista concedida a Flávio Carvalho. São Paulo, 05 Agosto, 1994.
PASCOAL, M; PRADO, A. Dinorá de Carvalho: vida e obra. Palestra proferida na
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PASCOAL, M. Dinorá de Carvalho: Catálogo. Arquivo pessoal.
PEREIRA, B. Dinorá de Carvalho: Pianista e compositora. São Paulo: Editora não
especificada.
SADIE, S. The New Groves Dictionary of Music and Musicians. New York: Macmillan
Publishing Co., 1980.
SECRETARIA do Interior do Estado de Minas Gerais. Carta enviada a Dinorá de Carvalho.
Belo Horizonte, 17 de Fevereiro, 1923.
VERGUEIRO, M. Entrevista concedida a Flávio Carvalho. São Paulo, 04 de Agosto,
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VERGUEIRO, P. Entrevista concedida a Flávio Carvalho. São Paulo, 04 de Agosto,
1994.