ANPPOM
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

MUSICOLOGIA
Comunicações, Painel e Relatos de Pesquisa


Um Modelo de Análise Estrutural Orientada a Objetos (painel)

Didier Guigue



** O painel completo (incluindo figuras e exemplos) pode ser acessado no seguinte endereço:
http://www.liaa.ch.ufpb.br/~gmt/DiGuigue/anpom95.htm


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Descrevemos sumariamente os postulados e as principais etapas de uma metodologia de aquisição e avaliação de dados destinada a uma análise das funções formais de estruturas musicais complexas, que chamamos genericamente de objetos sonoros.

Objetivos

Considerando que as propriedades imanentes de uma obra musical, tal como se encontram codificadas na partitura, podem ser evidenciadas em vários níveis, do mais elementar — a organização do sistema das alturas — ao mais compósito, constata-se a dificuldade da teoria musical em produzir, para o estudo da articulação dos níveis mais complexos, estratégias de apreensão e de abstração tão rigorosas como as que foram/são desenvolvidas para a articulação dos componentes elementares.

Circunscrito, num primeiro tempo, ao corpus paradigmático que a literatura para piano representa, nosso projeto pretende trazer à luz a natureza e a articulação formal do que passaremos a chamar de objetos sonoros, e as relações que eles mantêm com a configuração dos componentes elementares. Para isto, estabelecemos as bases de uma estratégia de avaliação seletiva, com o fim de produzir as informações cuja pertinência para a descrição da configuração e concatenação destes objetos teremos determinado. Este painel mostra as principais etapas desta estratégia.

Processo metodológico

  1. (f. 5) — Reconfiguração da partitura em uma seqüência de objetos homogêneos. Esta segmentação se baseia num princípio de ruptura de continuidade em qualquer nível: rupturas macroformais, interrupções de pedais e/ou de ligaduras de articulação, rupturas de continuidade nas intensidades, etc. Uma ruptura de continuidade em qualquer dimensão ou nível implica, em princípio, na ruptura da homogeneidade, e, portanto, assinala um novo objeto sonoro. No exemplo escolhido [Boulez, "Texte", fragmento da Troisième Sonate para piano (Universal Edition, 1962)] o compositor segmentou sem ambigüidade a partitura em 13 objetos isolados por pausas.
  2. — Transcodificação (manual) do material em Midi files para exportação na plataforma informática (Patchwork para Macintosh, IRCAM, 1993) onde estão implementados os algoritmos específicos (um "file" por cada objeto resultante do processo de segmentação).
  3. (f. 6) — Separação das listas de dados recebidos, em quatro sub-listas: "onsets" (posição do evento no tempo), "notes", "velocities" (intensidade relativa de cada "note") e "durations".
  4. (f. 6) — Conexão de uma ou várias dessas sub-listas a uma série de módulos contendo algoritmos destinados à avaliação quantitativa e/ou qualitativa da implicação de um componente (parâmetro) específico na configuração sonora do objeto analisado. A informação que serve de fundamento para esta avaliação, é a taxa de complexidade relativa que o compositor aplicou ao componente. A complexidade máxima corresponde à configuração que produz a sonoridade a mais "complexa" possível — na área de atuação do componente. Neste caso, a ponderação participativa atribuida a este componente é de 100 %. Na outra extremidade, as mais simples configurações são as que geram as sonoridades as mais "simples" possíveis. Os conceitos de "complexidade" e "simplicidade" são explicitamente definidos e quantificados para cada componente. Por exemplo, no caso da densidade, a escala de valores estende-se do "vazio" (0%) à "saturação" (100%).

Os componentes são ordenados em duas grandes categorias, correspondendo por convenção aos dois eixos cartesianos. O eixo S (S-AXIS) agrega os componentes relativos às características de repartição acrónica dos sons: SPACE avalia o espaço pianístico ocupado pelas notas constituintes do objeto, e S-FILL checa as modalidades de ocupação deste espaço. O eixo T (T-AXIS) pondera S em função do perfil diacrónico do objeto: avaliação quantitativa do lapso de tempo ocupado (SPAN), e modalidades de ocupação deste tempo (S-FILL).

S-AXIS :

SPACE (cf f. 6) :

• range-filling rate : âmbito relativo, i.e. a taxa de ocupação da tessitura total (do piano) ;

• register-filling : taxa de ocupação, em número de notas, de cada uma das sete regiões em que a tessitura do piano está dividida ;

• register-density rate : ponderação relativa ao número de regiões que o objeto ocupa (cf register-filling), de acordo com a qualidade acústica específica de cada uma delas ;

• space-filling average rate : ponderação de range-filling rate por register-density rate.

S-FILL :

• s-linearity : taxa de linearidade da distribuição das notas no interior deste espaço, calculada a partir de um paradigma de equidistância interválica ;

• harmonicity : taxa de simulação de distribução harmônica das notas ;

• sonance : taxa de dissonância relativa, estabelecida por cada intervalo contíguo, segundo critérios psicoacústicos (a banda crítica principalmente) e cognitivos (a dissonância comumente admitida entre os intervalos) ;

• s-density : densidade relativa de ocupação espacial, i.e. número de notas, comparado com o máximo possível, dentro do âmbito próprio ao objeto ;

• spectrum : ponderação da síntese dos valores de S-FILL pela taxa de incidência dos pedais, e de qualquer outra macrotransformação do timbre instrumental (prepared piano).

T-AXIS :

SPAN : duração do objeto, relativamente à duração do maior objeto do contexto (no exemplo de Boulez, o sétimo) ;

 

T-FILL :

• v-envelope : taxa de desvio do envelope das amplitudes (velocities), em torno da amplitude mais freqüente, ou, se não houver, da média ;

• t-linearity : taxa de linearidade de distribuição de eventos dentro do span, com base num paradigma de equidistância interválica ;

• pitch-direction : perfil direcional relativo, i.e. direção global do envelope das alturas ; o paradigma de referência é a unidirecionalidade absoluta ;

• t-density : densidade relativa de ocupação do tempo, i.e. número de eventos seqüentes, comparado com o maior número possível.

5 (fs. 7 e 8) — As avaliações resultam em listas de variáveis (ponderações transcritas em reais de (0.00) a (1.00)) (f. 7).

6 — Entre outras possibilidades de visualização dos resultados, mostramos neste painel, além das listas numéricas em si (f. 7, listing output) :

• uma representação tridimensional (f. 7, abaixo, esq.), onde se lê a correlação entre as ponderações de S-AXIS et T-AXIS, a qual retrata o grau e a amplitude dos contrastes sonoros instaurados entre cada objeto sonoro (representado pelo seu rótulo numérico) e o peso respectivo, para a configuração de cada um, das dimensões relativas ao espaço (S-AXIS) e ao tempo (T-AXIS) ;

• três representações bidimensionais, sendo que a primeira delas (f. 7, abaixo, dir.) representa a síntese das avaliações produzidas pelos algoritmos, que torna aparente uma lógica formal arquetípica : uma fase de crescimento progressivo da complexidade sonora média dos objetos, até um ponto culminante (objeto 10, aproximadamente nos dois-terços da peça), seguida de uma fase de decrescimento.

• Este esquema se organiza de forma não linear, através de uma dinâmica de oposições sonoras sistemáticas entre objetos adjacentes ; é o que mostra o quadro (f. 8, abaixo) onde estão apontados os principais agentes desta dinâmica, e quantificados o grau de oposições sonoras adjacentes.

Conclusão

Com esse método avaliativo, nós almejamos proporcionar subsídios para uma abordagem analítica que possa incorporar as dimensões complexas através das quais a estrutura formal articula-se, na prática composicional do Séc. XX.

Bibliografia de apoio

BERRY, W., 1987 : Structural functions in music, New York, Dover.

COGAN, R., 1984: New images of musical sound , Harvard U.P, Cambridge.

ERICKSON, R., 1975: Sound structure in music , U.C.P, Berkeley.

GUIGUE, D., 1994 : "Sonorité, espace et forme dans La Cathédrale engloutie de Debussy", Revista Música, São Paulo, Vol. 5 n°2, pp. 171-198.

—, 1995 : "A computer-aided object-oriented analysis", in MIRANDA, E. R. (éd), 1995 : II. Simpósio Brasileiro de Computação e Música, Anais, Porto Alegre, UFRGS, pp. 161-168.

MALT, M., 1993 : Introduction to Patchwork, IRCAM Documentation, Paris.

McADAMS, S. & DELIEGE, I. (éds), 1989: La musique et les sciences cognitives , Madarga, Bruxelles.

MARSDEN, A., & POPLE, A. (éds.), 1992 : Computer Representations and Models in Music, London, Academic Press.

MESNAGE, M., 1994 : "Techniques de segmentation automatique en analyse musicale", Musurgia, vol. 1 n°1, pp. 39-49.

 

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