ANPPOM
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Educação Musical
Comunicação e Relato de Pesquisas


Elementos de uma Filosofia da Educação Musical em Theodor Wiesengrund Adorno

Sandra Loureiro de Freitas Reis

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A minha dissertação - intitulada " Elementos de uma Filosofia da Educação Musical em Theodor W, Adorno " foi elaborada no Curso de Mestrado em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, dentro da Linha de Pesquisa -Estética e Filosofia da Arte, sob a orientação do Dr. Rodrigo Antônio Paiva Duarte, defendida e aprovada em 4 de agosto de 1995. Pretende demonstrar que no âmbito da teoria filosófica de Theodor Wiesengrund Adorno estão implícitos os fundamentos de uma Filosofia da Educação Musical libertadora.

Os pressupostos para uma tal comprovação repousaram, à primeira vista, no estudo da história de vida do próprio filósofo, que vivenciou uma experiência artístico-musical, profunda e verdadeira, desde a infância e ao longo de sua formação e trajetória intelectual. O fato de Adorno ter se tornado um crítico radical da sociedade e da cultura, transformando a própria linguagem em instrumento de luta e resistência, como uma autêntica muralha da obscuridade, inacessível ao imediatismo, fez com que ele fosse freqüemente mal interpretado e rejeitado por muitos como um pensador destrutivo e niilista. No entanto, diante do status privilegiado da arte - e da música, em particular - na sua vida e na sua Filosofia, partimos da hipótese de que a sua dialética da negatividade poderia ter na base uma experiência anterior e uma formação altamente positivas, que se viram radicalmente "desencantadas" diante do desmoronamento das expectativas da civilização em face das atrocidades inomináveis da Segunda Grande Guerra Mundial. A grandeza de sua produção musical como compositor e a profundidade de suas críticas no âmbito da arte e da análise da fenomenologia social, revelam uma agudeza e amplitude de percepção estética que raramente na História da Filosofia podem ser encontradas, reunindo tantas qualidades em uma só pessoa: um intelectual, filósofo de primeira linha, que seja também artista, literato e músico, intérprete e compositor de alto nível.

No mesmo trabalho, dividido em uma Introdução, quatro capítulos e uma conclusão, são desenvolvidos os seguintes aspectos:

No Capítulo I, delineiam-se aspectos gerais da Filosofia de Adorno, a partir de suas metáforas "campo de força" e "constelação", cujos sentidos percorrem todo o trabalho ciclicamente. É ressaltada a questão da linguagem e da retórica Adorniana, que criam um estilo próprio, revelando-se como "forma" artística de sua Filosofia da Expressão, indissolúvel de seu conteúdo e coerente com ele1 . O primeiro Capítulo trata ainda da crítica da sociedade contemporânea; do significado do esclarecimento no "mundo administrado"; da influência da Indústria Cultural fomentando uma "semi-cultura" e a regressão da consciência do sujeito 2. Focaliza a presença das íntimas relações e imbricações entre Arte, Linguagem e Filosofia.

O segundo Capítulo - Filosofia da Música - traça uma abordagem analítica do esclarecimento musical, num escorço crítico, a partir da idéia do "esclarecimento" reflexivo em geral, como caminho para uma análise realista da questionável "evolução" do homem em suas relações com a sociedade, que alimenta a massificação invadindo a própria produção estética. Aborda a problemática do fetichismo da música e da regressão da audição, diante do jogo agônico da arte radical, criando-se o confronto de um "belo comercial" com um "belo ético". Estabelece-se assim a existência de uma Ética na Estética Adorniana. No mesmo capítulo são analisados aspectos e significados das obras de Schoenberg como "progresso" e de Stravinsky, como capitulação e "restauração" Estabelecem-se os pressupostos de princípios que serão desenvolvidos no capítulo posterior, a partir da análise da situação da música no "Mundo Administrado"3 , baseada no pensamento de Adorno, no qual se infere uma visão de diferentes níveis de grandeza ética e estética, tanto na "arte superior" como na "arte inferior"4. A percepção crítica do "não-idêntico", das diferenças e de seus significados torna-se essencial.

O terceiro Capítulo fala da "Educação" aqui vista como a Teoria Crítica desdobrando-se na praxis, revelando-se capaz de diagnosticar os problemas decorrentes da massificação do ensino, do "sucateamento" e do "barateamento" do espírito, do desrespeito ao sujeito individual, tendo em vista traçar caminhos rumo à utopia do "possivel realizável" no sentido da redenção da Humanidade, pela construção de uma sociedade livre e justa, emancipada pelo esclarecimento crítico - debruçado reflexivamente sobre si e sobre o mundo - capaz de perceber as diferenças fundamentais e penetrar além da ilusão das aparências do "mundo administrado" que Adorno denuncia como " totalidade falsa ". Esta Educação, como formação integral, no sentido de não descuidar de todos os aspectos de cada individualidade humana - deve conter em si mesma a Filosofia, especializada e não especializada, como busca do Absoluto - e a Arte - como "promessa de felicidade" - por essa conter, na inverdade da aparência , o seu conteúdo de verdade, atestando a vocação humana para o sublime, sem negar a natureza sensível .5 Culmina com um questionamento sobre a Educação e o Ensino, sobre o sentido e a necessidade da Educação Artística na formação da consciência individual esclarecida para o adequado exercício da capacidade criadora e da justa liberdade, capaz de evitar a ignomínia e a barbárie.

O quarto e último Capítulo é uma leitura imanente do texto Adorniano Sobre a Pedagogia Musical6 de onde se desdobram caminhos e conclusões específicos para uma ação pedagógica dialético-musical que permita o desenvolvimento de um verdadeiro "esclarecimento", crítico e reflexivo, em cada indivíduo, através da música, capaz de levar o educando a uma compreensão espiritual, ao exercício do discernimento e da criatividade e à plena realização de sua humanidade. A conclusão final defende que a verdadeira Educação Musical é libertadora e como tal, torna-se essencial à formação geral do ser humano, abordando também, como fundamento, a problemática interrelacional do "novo e do velho" na Educação Musical. Neste momento, dentre várias considerações, Adorno situa as escolhas de repertório para a ação educativa em um critério analítico da qualidade ética e estética do material pedagógico, sempre se preservando a visão do "todo" nas suas relações dialéticas com as partes. E acentua a necessidade do compositor hoje ser fiel às demandas históricas de seu tempo, inclusive no sentido de criar uma música pedagógica de elevado valor estético, própria para o momento atual, sem que isto signifique o abandono da grande música do passado, cuja eficácia estética e pedagógica ele acentua, como o "velho" que origina e no qual se insere e se destaca a diferença do "novo", como um "não-idêntico" revolucionário. Nisto reside a promessa da verdadeira originalidade, como "espírito do tempo" reluzindo na objetividade autônoma da obra de arte, cuja lógica imanente escreve para todos o que também não é possível dizer em plenitude para cada um. A "saudade do impenetrado" permanece como um mistério que é, ao mesmo tempo, a promessa da esperança e da felicidade.

No decorrer da dissertação, foi considerado que, em determinados momentos, parafrasear o texto original ou simplesmente interpretá-lo, sem realizar um cotejo direto com a palavra original, não seria suficiente, tendo em vista a fidelidade às idéias do filósofo, na sua transmissão a outros. A paráfrase pode, de certo modo, trair o pensamento originário, principalmente no âmbito do texto Adorniano, em que cada termo e sua situação na frase, no dinamismo de uma dialética reprimida, tem uma força própria. A presença de citações revela pois, de nossa parte, o desejo de que o leitor nos acompanhe muito de perto, participando e criticando de modo direto o desenvolvimento de nossa reflexão que desdobra, lado a lado com a teoria de origem, um novo caminho, ainda não abordado pelos estudiosos: a Educação Musical como possibilidade de libertação, implícita nas idéias Adornianas7. A necessidade das citações literais - como ilustração viva e insubstituível - foi por nós sentida, de modo especial, principalmente no caso de Adorno, em que a linguagem reprimida joga com a negatividade a todo o instante e guarda em relação ao leitor um distanciamento estratégico, que obriga ao esforço e encerra em si um estimulante enigma. No seu objetivo primeiro, por vezes, o modo de exposição do filósofo choca por ser inesperado e radical, de tal forma que aparece, vez ou outra, como um paradoxo, o buscar a liberdade na prisão criada por sua linguagem, embarcada numa dialética negativa. Mas aceitando este desafio, podemos descobrir o quanto ela se torna fecunda em sentidos e significados que se desdobram de forma imanente na positividade transcendental do mais nobre humanismo


Nota

1 - ADORNO, Theodor. Minima Moralia, Aforismo 51, p. 73-75.São Paulo: Ed. Ática, 1992.volta

2 - ADORNO, Theodor." Teoria da Semicultura". In: Theodor W. Adorno. Quatro Textos Clássicos. Trad. de Bruno Pucci, Cláudia B. de Moura Abreu e Newton Ramos de Oliveira,p.31-56. São Carlos: UNESP-UFSCar, Edição interna, 1992. volta

3 - BICALHO, Francisco Antônio. " Os Limites da Reflexão no Mundo Administrado". In: Kriterion 79/80: julho/87 a junho /88, p. 1-65. Belo Horizonte:FAFICH,UFMG.volta

4 - ADORNO, Theodor. Indústria Cultural. In: Sociologia , p. 92-93. Gabriel Cohn (org.). Florestan Fernandes (coord.). São Paulo: Ed. Ática, 1986.volta

5 - ADORNO, Theodor. Teoria Estética , p. 78-82. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições Setenta, 1970.volta

6 - ADORNO, Theodor. Zur Muzikpadagogik. In: Dissonanzen. Einleitung in die Muzikologie. p. 108-126.Gesammelte Schriften, Band 14. Frankfurt: Suhrkamp, 1973.volta

7 - ADORNO, Theodor. Zur Muzikpadagogik. In: Dissonanzen, p. 108-126.volta

 

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