Perfil e Copacabana. Dois Aplicativos para Composição
Eletroacústica com o Protocolo MIDI. (relato)
Rodolfo Caesar.
Resumo: Exposição das etapas
envolvidas na produção de dois aplicativos MIDI com vistas à composição de música
eletroacústica. A relação MIDI/música eletroacústica. O programa Max (para Macintosh)
como plataforma. Duas alternativas com exemplos musicais.
1- Os problemas na relação MIDI/música eletroacústica.
A música eletroacústica e o protocolo
MIDI não foram feitos um para o outro: a especificidade da primeira não encontra
ressonância imediata no segundo. Se quisermos fazer uso do protocolo MIDI para a música
eletroacústica, é preciso algum empenho contra suas limitações.
1.1- A especificidade da música
eletroacústica pode ser (um pouco tautológicamente) expressa na afirmação de que seu
traço principal provém da diferença com relação à música composta através da
escrita notacional. A pesquisa dessa especificidade aponta para o enfraquecimento da
dicotomia instrumento/partitura que subjaz ao processo composicional notacional. O que
distingue a música eletroacústica das instrumentais é sua problematização dos limites
entre esses dois níveis. Por este motivo é que podemos arriscar a dizer que a busca
dessa especificidade - que vem a ser o projeto básico de compositores envolvidos com as
técnicas eletroacústicas - consiste de uma ampliação das diferenças.
1.2- O protocolo MIDI (Musical
Instrument Digital Interface) não tem compromisso com a especificidade eletroacústica,
sendo, ao contrário, uma tentativa de estabelecer comunicação universal
entre diferentes instrumentos digitais, tais como sintetizadores, samplers e outros
híbridos. Embora a tecnologia embutida nestes aparelhos possa beneficiar a pesquisa
eletroacústica, eles são instrumentos na acepção mais tradicional,
determinada em sua concepção, formatos e vias de acesso. Teclados, pedais e pads
conformam-se ao projeto de simulação de desempenhos próprios à música
instrumental, colocando-os distantes das necessidades da produção
eletroacústica. (Produção esta que engloba: musique concrète,
musique acousmatique, Elektronische Musik, electroacoustic music,
computer-music). O protocolo MIDI nada mais faz do que estruturar a comunicação entre
aparelhos diferentes cujas características comuns são de ordem 'instrumental'.
2- Como, então, utilizar MIDI para a composição eletroacústica?
A reprodução eletrônica de gestos e
desempenhos - para os quais os instrumentos tradicionais foram tão bem aperfeiçoados
durante séculos - é redundante e empobrecedora. Ninguém, a não ser a pressa industrial
e o compositor-por-hobby, se interessam pela substituição eletrônica de um violino e
seu intérprete. Aos compositores empenhados com a música eletroacústica resta a
condição de evitarem a qualquer preço a exploração usual do protocolo MIDI, por sua
gravitação em torno do conceito instrumental de nota, tentando levar este padrão par
além de seu âmbito usual, isto é, para além da nota. Para tanto, a pesquisa buscará:
2.1- A alteração da produção de
notas enquanto tais. A geração de notas MIDI, competência básica do protocolo, não
precisa estar necessáriamente atrelada à concepção de nota musical tradicional. É
possível conceber a geração de notas MIDI enquanto eventos texturais, ou na forma de
eventos lineares super-rápidos. (exemplos musicais A e B).
2.2- A produção de controladores de
outros parâmetros, tais como: frequência de corte de filtros,
aceleração/desaceleração de eventos, etc., através da utilização dos controladores
contínuos, como after touch, pitch bend, e outros. (Exemplos musicais C e D).
3- Concepção e execução de dois programas para geração e
controle de eventos no ambiente Max/MacIntosh, em torno do protocolo MIDI.
3.1- Breve apresentação de Max_. O
princípio deste programa - o de permitir a construção de programas para aplicações
MIDI - baseia-se na metáfora visual dos antigos sintetizadores modulares analógicos:
constrói-se patches, ou dispositivos, plugando módulos por meio de
fios, como, p.ex., ligava-se a saída do oscilador de um sintetizador na
entrada de um filtro, e a saída deste na entrada de um amlificador.
Para ilustrar, vamos montar um
receptador de notas que as desdobra em acordes, plugando inicialmente a saída do
interpretador de entrada MIDI notein (que, cf. a figura, capturou a nota MIDI
60, equivalente ao dó 3) a dois somadores, os quais adicionam valores pré-determinados,
e imediatamente disparam os resultados.

Adicionou-se 4 e 7, os fatores
necessários para a obtenção de um acorde perfeito. Os dois resultados calculados são
enviados - juntamente com o valor da nota de entrada não modificada - ao objeto
noteout. A título de demonstração colhemos informação sobre dois outros
tipos de valores MIDI - também recolhidos pelo objeto notein - que são
re-transmitidos ao noteout: o valor de velocity on da nota dó
(57, no exemplo) e o número do canal MIDI (9). Notamos que as barras escuras no fundo do
objeto notein equivalem ao mesmo tipo de informação que os das barras
escuras no tôpo do objeto noteout.

Este patch em verdade já
está quase pronto para produzir os acordes, faltando apenas introduzir valores de
noteout para mi e sol.
Max_ propicia a feitura de patches
extremamente complicados. Por exemplo: os valores adicionados para montar o acorde podem
ser alterados em tempo real, ou arpejados, via MIDI controllers, pelo
pitch bender, por um pedal de expressão, ou por qualquer outro controlador
MIDI.
3.2- Os objetos disponíveis
em Max_ são bastante diversificados, abrangendo desde um teclado que toca (se
devidamente acoplado ao objeto midiout),

a switches, interruptores,
como os dois abaixo:

o da esquerda decide qual das entradas,
na parte de cima da caixa, é endereçada para a saída única, assinalada
embaixo; o outro escolhe para qual das saídas seguirá a informação da entrada única.
A pequena caixa com um círculo dentro é um bang, detonador de
comandos. Nestes dois casos, a cada bang o interruptor afetado troca de
posição.
Max_ também dispõe de objetos mais
complexos, como a table, um armazém de funções a serem lidas e
loopadas (relidas contínuamente) de acordo com o tempo controlado por um
objeto metrônomo acoplado a um objeto linha de retardo.

Na figura acima temos uma curva
desenhada a lapis na table, a qual, no entanto, também poderia
ter sido capturada de uma pisada no pedal de expressão. Armazenada aqui em
256 pontos (na horizontal), com uma definição de 128 pontos (na vertical), esta curva
pode ser repetida n vezes, de acordo com a duração estipulada em um objeto
line, para então ser enviada via midiout (em direção ao MIDI
controller aftertouch de um teclado, p.ex.).
Outros objetos muito importantes em Max_
são os presets que figuram nos exemplos descritos a seguir, atuando como
memorizadores de posições (de sliders, de números em caixas e/ou de
quaisquer outros valores), estocáveis com um shift-click em um dos pequenos
quadrados.
Atualmente Max_ lê arquivos MIDI e
áudio, e permite a montagem de drivers para processamento (DSP) de sons.
Tendo sido inicialmente concebido no IRCAM para a aplicação do protocolo MIDI à música
contemporânea instrumental, Max_ refletia a preocupação bouleziana com a preservação
da continuidade instrumento-máquina. O que está sendo proposto aqui é utilização de
Max e MIDI para a elaboração de aplicativos 'ultra-instrumentais'.
4- Criação e utilização de Perfil e Copacabana, exemplificada com
trechos musicais extraídos de Industrial Revolutions.
4.1- O trio de módulos
metrônomo, linha e table está na base de Perfil,
cuja função básica é a de gerar e enviar envelopes aos filtros de um
sintetizador/amostrador, de modo a controlar individualmente suas freqüencias de corte.

Com o slider
note, no tôpo de cada dispositivo, seleciona-se a nota do teclado que
disparará um perfil, isto é, uma curva anotada no objeto table,
podendo ser loopada e exposta à influência de velocity on. Vários
perfis são simultâneamente administrados. Se aqui vemos somente quatro
representados, é por questões de espaço na folha.
4.2- Outros dispositivos podem ser bem
mais complexos, como este outro aplicativo, chamado COPACABANA

por causa do movimento impresso pelas
tables aos sliders, o que, em circunstâncias extremas, cria um
certo trânsito visual reminiscente das ruas do bairro carioca. Na verdade, COPACABANA é
responsável pelo envio de notas MIDI em diversas padronagens, da mais
monótona repetição ao aleatório total (regulando os três sliders
amb., de âmbito, e o rg., de regularidade). Tanto valores de
notas MIDI quanto de note-on ou de quaisquer controllers podem ser
gerenciados por uma das duas tables em cada um dos quatro dispositivos (a
figura só mostra um deles). A quantidade de notas por segundo também pode responder à
table, que, em todos os casos, tem a possibilidade de ser lida num sentido ou
em seu reverso (selecionado na caixa rv).
Uma das propriedades deste
patch é a geração de notas cujas localizações espaciais (entre os dois
alto-falantes, via MIDI controller nº10) são controladas por tables. P.ex.:
uma sequência de notas curtas passa de um lado ao outro (falante esquerdo ao direito,
p.ex.) com ligeira queda de alturas e filtragem. Dosando bem este desvio podemos até
simular um efeito Doppler (o fenômeno acústico produzido pelo deslocamento de um objeto
soante em relação ao observador).
Devido à conformação de Max_, PERFIL
e COPACABANA podem rodar simultâneamente. Quem pode atrapalhar é o próprio
protocolo MIDI, dado a engarrafamentos, nem sempre visuais, devido à sua baixa
velocidade. (Outros exemplos musicais da utilização de COPACABANA e PERFIL).