Trilhos Sonoros da Ferrovia:
A composição Inserida numa Instalação Sonoro-Visual (painel)
Raul do Valle
Jônatas Manzolli
Resumo: Trilhos Sonoros da
Ferrovia, um evento multimídia com duração de aproximadamente 25 minutos, conta a
história dos 100 anos de ferrovia no Brasil através dos sons característicos deste meio
de transporte. Esses sons, apresentados numa abordagem concreta, se juntam a elementos
plástico-sonoros como esculturas vivas em fibra-óptica, pirâmide de madeira, luvas
interativas e pingentes sonoros para formar a instalação onde a obra é apresentada.
Introdução
Trilhos Sonoros da Ferrovia é uma
experiência inédita para cada um dos autores e acreditados que é também para muitos
daqueles que assistiram à sua apresentação. Por outro lado, os elementos temáticos
usados na obra vêm de uma história recente que quase desaparece da nossa memória: a
ferrovia no Brasil. Os sons que foram usados também já pertencem ao repertório
sonoro dos ouvintes, todavia a vinculação dos mesmos com gestos luminosos e a execução
da obra em completa escuridão cria uma situação nova, muito particular, onde performers
e público são expostos a incertezas e a liberdade do escuro. Um clima de sonho, uma
viagem metafórica pela paisagem sonora da ferrovia.
O texto que apresentamos será
descritivo, na medida em que estamos interessados em apresentar o trabalho como um todo e
deixar a obra em aberto para possíveis discussões e interpretações. Há ainda uma
série de idéias em desenvolvimento, pois a nossa proposta é fazer a cada apresentação
um processo de re-leitura do roteiro e evoluir na medida em que vivenciamos a obra. Assim,
apresentaremos a seguir os seguintes pontos:
- a instalação sonoro-visual que é a estrutura básica
do trabalho
- o método de composição sonora e desenvolvimento da poesia
gestual usada pelos performers.
1. Instalação Sonoro-Visual
A composição é baseada nos sons
característicos da ferrovia: Maria-Fumaça, os mancais e seus engates, o turbilhão de
vapores, o ritmo dos vagões nos trilhos, os sinos anunciando as partidas e chegadas e os
apitos das locomotivas. Esses sons, símbolos da ferrovia, aliados a estruturas
plástico-sonoras compõem uma instalação que se identifica com a própria paisagem
sonoro-visual da ferrovia. Nela quatro performers descrevem, através de gestos luminosos,
um percurso imaginário que convida o ouvinte a reviver sua própria memória, estimulando
a criatividade coletiva.
A obra interdisciplinar é de autoria
dos compositores Raul do Valle, Jônatas Manzolli e da artística plástica Sílvia Matos
(NICS-UNICAMP) com a participação de Eusébio Lobo, criador da coreografia, Maria
Cristina Labegalini e Daniele Calichio do Departamento de Artes Corporais (UNICAMP).
Os elementos da obra são os seguintes:
- Roteiro divido em cinco momentos
Sala de Espera e Partida
Lanternas Viandantes
Mãos Condutoras
Túnel e Pingentes
Ritual em Prospectiva
Elementos Interativos
Luva Interativa
Pingentes de Sonoros
Elementos Plástico-Sonoros
Trilha Eletroacústica
Esculturas Vivas em Fibra Óptica
Pirâmide de Madeira
1.1 Roteiro
Os elementos temáticos da obra são
derivados de um conjunto de ações de um viajante imaginário que chega a estação e
inicia sua viagem noturna. A partir daí uma série de eventos sonoros e coreográficos
desenvolvem o roteiro que é dividido em cinco segmentos como apresentado pela tabela 1.0
abaixo.
SALA DE ESPERA E PARTIDA |
paisagem sonora |
O passageiro chega na estação, compra passagem e
espera na plataforma. Ouvem-se sons de manobras de composições, vozes e os apitos
sinalizando a partida. O trem parte e invade a noite. |
LANTERNAS VIANDANTES |
dança das esculturas em fibra-óptica |
As lanternas antigas e os gestos usados na
comunicação entre os ferroviários serviram de base coreografia para a dança. Traços,
luzes e sombras que percorrem o espaço em contraponto visual com a música. |
MÃOS CONDUTORAS |
performance com luva interativa |
O trem em movimento é conduzido por um maquinista
imaginário que com as suas mãos interage com os sons da marcha da locomotiva e dos
engates dos vagões. |
TÚNEL E PINGENTES |
performance com pingentes sonoros |
Momentos que lembram a entrada no túnel entre
Jundiaí-São Paulo e as estações cheias de gente. Pingentes sonoros que se perdem no
vapor da locomotiva, figuras anônimas da poesia concreta da ferrovia. |
RITUAL EM PROSPECTIVA |
polifonia dos apitos |
Uma projeção dos apitos e momentos sonoros de
máquinas modernas. O trem imaginário anuncia outras viagens - polifonia-prenúncio de
nova era. |
Tabela 1.0 apresenta o roteiro
da obra
1.2 Elementos Interativos
Durante a execução do trabalho há
sons que são criados ao vivo. A idéia é interagir com a trilha sonora com gestos
sonoros que são complementares aos gestos luminosos produzidos pela
fibra-óptica.
Luva Interativa |
Interface gestual que capta os movimentos da mão através de
sensores. O sinal elétrico produzido pelos sensores é então captado pelo computador que
usa essa informação para controlar sintetizadores. A idéia geral é que o músico
através do gesto cria a música, ou seja, uma seqüência gestual se transforma numa
seqüência sonora |
Pingentes Sonoros |
Na pirâmide estão distribuídos harmoniosamente os pregos de
linha e os grampos, pinos usados na fixação dos trilhos no dormentes. Estes pingentes
são tocados pelos performers e servem de fonte sonora durante a perfomance |
Tabela 2.0 descreve os dois
elementos interativos da instalação
1.3 Elementos Plásticos-Sonoros
O terceiro grupo é formado por
estruturas estáticas que servem de base para a performance. A interação trilha sonora,
esculturas em fibra-óptica e gestos dos bailarinos é a mola propulsora do trabalho.
Trilha Eletroacústica |
Sons amostrado de diversas fontes: sinos da ferrovia, mancais do trem,
diversos sons característicos que trazem imagens sonoras da ferrovia. Estes sons
concretos são combinados numa seqüência de eventos musicais que formam a base
composicional da performance. Cada trecho do roteiro esta diretamente relacionado com a
trilha eletroacústica, ou seja, a trilha é o contador da estória de uma viagem
metafórica |
Esculturas Vivas de Fibra Óptica |
Na pirâmide estão distribuídos harmoniosamente os
pregos de linha e os grampos, pinos usados na fixação dos trilhos no dormentes. Estes
pingentes são tocados pelos performers e servem de fonte sonora durante a perfomance |
Pirâmide |
Vigas de madeira, todas de 4 metros de comprimento formando vários
triângulos no espaço a partir de um quadrado no chão criando uma grande pirâmide. Essa
estrutura ocupa uma área de 16 m2 com a altura de aproximadamente 3.50
m, ou seja, 56 m3 |
Tabela 3.0 apresenta os três
elementos básicos da obra
2. Composição
O processo composicional iniciou-se com
a recolha de material sonoro que foi selecionado e agrupado de acordo com o Roteiro nas
seguintes classes:
- paisagem genérica da ferrovia
- o trem em marcha
- os engates
- vapores e apitos
Este material foi montado num estúdio
multi-canais através de um processo de colagem, onde amostras sonoras foram manipulados
de formas diversas usando-se um Sampler. Como já foi dito, a essa trilha foram
acrescidos elementos coreográficos nos quais performers executam movimentos luminosos em
função da música e um deles recria a estrutura musical através dos seus gestos usando
a luva interativa. Esse processo performer-música-performer gera um moto-contínuo
de som e imagem que se incorporam na obra. Assim, os elementos da composição são:
- Trilha sonora
- Coreografia
A interação dos bailarinos e a
conseqüente criação do gestual usado, foi desenvolvida através de ateliers e
vivências sonoras. Um dos principais objetivos da coreografia foi desvincular os traços
luminosos da forma humana, através de movimentos assimétricos. O processo de
composição e integração com o gesto é descrito pelo diagrama a seguir.

Diagrama 1.0 mostra o processo
de composição da obra
Foram adicionados à trilha concreta
sons sintéticos criados pelo computador. Este material sonoro tem um caracter estático e
dinâmico/interativo. Os sons estáticos foram pré-gravados e mixados com a trilha no
estúdio. Os sons interativos são criados no momento da performance através de
dispositivos eletrônicos como: sensores pieso-elétricos e chaves de mercúrio
conectados ao computador. Esses dispositivos são controlados por luva interativa que
simboliza as mãos condutoras do maquinista.
Conclusão
Para cada um de nós compositores,
artista plástica, bailarinos e público esse trabalho fomentou leituras diferentes:
a performance é uma viagem metafórica
através da paisagem sonora da ferrovia, cujo significado deve ser construído pelo
próprio espectador.
a idéia é transformar uma seqüência gestual em uma seqüência sonora.
o trabalho reúne artes plásticas, música e dança; o objetivo é contar a história da
ferrovia por meio dos sons que a caracterizam.
o fato de o espetáculo transcorrer no escuro, somente com a iluminação da
fibra-óptica, permite que cada espectador faça uma leitura pessoal da mensagem.
Haverá ainda outros comentários que se
somarão a estes. Este trabalho abriu uma série de perspectivas que podem enriquecer o
cenário da música contemporânea. A união sinergética de música, plástica e dança
traz benefícios na medida em que cria propostas de diálogos entre os criadores e o
público o que resulta numa pluralidade de significados que enriquecem a cada um dos
participantes.