Reflexões sobre o Campo do Conhecimento Composicional
Paulo Costa Lima
Sobre prazer e conhecimento:
"O prazer do texto é o momento em que o meu corpo vai seguir as suas próprias
idéias -
pois o meu corpo não tem as mesmas idéias que eu".
R. Barthes (O Prazer do Texto)
"O teu seio que em minha mão / Tive uma vez, que vez aquela ! / Sinto-o ainda, e ele
é dentro dela / O seio-idéia de Platão",
Manuel Bandeira
"Carece de incentivo o compositor: ele compõe por compulsão e não por mero
capricho para satisfazer alguma vaidade pessoal. Compulsivamente mesmo. Por isso, o
verdadeiro artista é, como tal, incorruptível."
Widmer, B.H., 16.6.89
(Notas do Programa do Ciclo de Música Contemporânea)
1. Começamos esta apresentação
evocando o texto "Crítica e Criatividade em 6 movimentos", escrito por Ernst
Widmer para a SBPC-81 1, e que
estava praticamente desaparecido, tendo sido resgatado por nosso projeto de pesquisa sobre
sua "Pedagogia Composicional". Já no título uma centelha: uma fala em 6
movimentos.
Introdução: Sostenuto
Representando o HOMO LUDENS,
sinto-me plenamente à vontade, especialmente no tocante à forma de minha exposição.
... A crítica é a alavanca que permite aquele distanciamento necessário para que a
criatividade se expanda... Podemos observar que os maiores desafios resultam de choques
entre o estabelecido e o que não.
Falo dos feudos. É compreensível que a
institucionalização até certo ponto cegue, mas acontece que geralmente transforma
aquilo que cresceu organicamente em parasita: "O talento que os peritos têm para ver
o que esperam ver, ou o que foram ensinados a ver de preferência ao que existe para ver
(...) faz observar que tudo é demasiado importante para ser confiado a peritos
profissionais,"2.
Allegro con spirito
Até que parece serem HOMO FABER,
HOMO SAPIENS e HOMO LUDENS também instituições.
Andante maestoso
Além das emoções impulsivas, há
duas, maiores, que fazem a arte jorrar:
- uma, congênita, raiz, afirmativa e
identificadora;
- outra, circunstancial, contexto, inconformista e inovadora. ...
Scherzo
O inconformismo, atitude crítica
oriunda do choque entre a realidade e a universalidade, leva o artista a extremos.
Finale : furioso
Uma obra destituída de enfoques
críticos: é "chocha versalhada".
Coda: mesto
2. O texto permanece contundente.
Comparecer a uma sociedade de peritos, criticando a estreiteza de uma visão
"especializada"! 3 Aliás
esse é um tema recorrente em Widmer, a relação entre especialização e abrangência em
composição. A estratégia composicional básica é investir numa duplicidade discursiva,
criando um efeito de reverberação de sentido , que remete a fala
continuamente para as representações possíveis sugeridas pelas referências musicais. A
reverberação de sentido enfraquece a dominância de uma lógica linear; lógica e
temporalidade não-lineares permitem levantar uma idéia, fazê-la desaparecer, retomá-la
adiante, ao sabor da tal reverberação, reforçando o caráter musical do texto.
No final das contas é um drama de
personificação que nos é apresentado. Quem fala, ou melhor, quem tenta falar e se fazer
personagem, é o próprio discurso musical (semântica não verbal, segundo Widmer), na
pessoa do compositor, do representante do homo ludens, na pessoa de Widmer. Sendo
essa fala impossível, o discurso musical interfere sobre o outro, criando situações que
variam do lirismo até a provocação, mas ironicamente mostrando que mesmo sendo uma
espécie de contrário pode fortalecê-lo. É dessa ironia estrutural que vemos brotar os
vários recursos expressivos do texto, muito bem exemplificados pelo Scherzo, lugar
tanto do humor quanto da vertigem.
3. Nosso tema central cria uma topologia
com dois conjuntos e suas articulações. No entanto, a expressão discurso
musical já é ela própria uma articulação entre os dois conjuntos que
aparentemente se quer observar, nascendo da esperança de conceber o fluxo musical como
análogo ao fluxo de palavras. Mas o que aconteceria se abríssemos mão da expressão
discurso musical ? Certamente evidenciaríamos esse espaço em branco
(não-falável) que acompanha o conhecimento composicional e o desafio que representa.
4. É preciso estar atento a dois
sentidos distintos nas relações entre discurso e música. O primeiro tem a ver com essa
esperança de que os dois fluxos sonoros sejam análogos, de que uma teoria do discurso
possa ser utilizada como base para uma teoria da música. É o que pode ser exemplificado
pela retórica da música no espaço entre Dressler (1563) e Matheson (1739), com o
equivalente musical das figuras de linguagem, e com importantes conseqüências para a
teoria da forma que chega ao nosso século4.
Exemplos mais contemporâneos são a teoria generativa da música tonal, de Lerdahl e
Jackendoff 5, a semiologia musical
de Nattiez 6 e a teoria da
narratividade, Mauss [1991] e Kramer [1991] 7
. Um contra-exemplo interessante vem do sofista Górgias8
que vê o discurso como incapaz de revelar algo mais que a si próprio.
5. O segundo sentido vem da
constatação de que mesmo fora do âmbito dessa analogia, a investigação dos processos
musicais (e mesmo sua administração cognitiva e emocional) depende da capacidade
rastreadora do discurso 9. O
circuito permanente entre os dois registros (da música e do discurso) é constitutivo do
campo do conhecimento composicional, e depende obviamente de um processo de aprendizagem.
Os membros de uma cultura são ensinados a ouvir o universo sonoro disponível de
determinada maneira. Essas são boas razões para que mantenhamos um interesse estável
pelas disciplinas que se agrupam em torno do discurso 10.
6. Podemos aqui invocar o conceito de
representação, inerente a vários universos discursivos, remontando nos
tempos modernos a Descartes e à possibilidade de que um determinado objeto possa
reaparecer como dado de consciência. Quando perguntamos "como é que alguém sabe
que está na presença de música?", passamos a evidenciar os mecanismos de
significação associados à representação. Paralelamente à questão que nos foi
estipulada, "que espécie de representação da música é o discurso?" surge
outra ainda mais abrangente: "que espécie de representação do mundo é a
música?".
7. O conceito de representação permeia
uma série de universos discursivos relacionados ou relacionáveis com a música: por
exemplo, quando Aristoxeno se opõe a Pitágoras reivindicando um critério mais auditivo
e menos numérico para a divisão da oitava 11
; ou quando uma neurologia da música, Marin [1982], estuda casos de afasia sem amusia,
contradizendo portanto a idéia de interdependência absoluta entre fala e música12 ; quando Piaget[1926:5] se
pergunta quais as "representações do mundo que surgem espontaneamente nas
crianças", e concebe um modelo de desenvolvimento que concatena essas
representações 13; quando os
estudos de cognição musical pretendem descrever cientificamente o a priori
da música, Lynch [1993] 14 ;
quando Freud [1923] nos fala de representação (Vorstellung) inconsciente 15; ou quando esse Vorstellung é
aproximado da noção lingüística de significante, e da busca de um campo de
significações relacionais16.
8. Delimitar o campo do conhecimento
composicional não é tarefa simples. Aliás, o próprio termo composição,
introduzido há apenas alguns séculos atrás, dá somente uma idéia parcial do conjunto
pluricultural-diacrônico do universo de atividades possíveis. Uma das primeiras
caracterizações do termo (opondo-o a contraponto, que seria algo mais
rígido e determinado) vem de Andrea Ornitoparchus (1517) e estabelece uma comparação
entre o oleiro e o compositor 17:
este moldando a canção como aquele molda o barro. Alguns séculos mais tarde Rousseau
nos fala que "compor é inventar uma música de acordo com as regras da arte"18 . Embora ambos reforcem a
dimensão de construção envolvida com o compor (de caráter individual), para Rousseau o
conhecimento composicional seria de natureza mais interna, enquanto Ornitoparchus pensa
(sabiamente me parece) numa atividade modeladora.
9. Há no entanto algo fundamental na
definição de Rousseau, que é essa correlação entre o que vai ser produzido e um
conjunto de regras. Que regras são essas ? Seriam aquelas da minha capacidade cognitiva,
ou as que estão disponíveis na minha cultura, seriam uma determinação da tradição,
do acaso 19, ou da compulsão?
Até que ponto precisam ser formuladas pelo discurso, e até que ponto integram o arsenal
mimético da música 20 ? É
possível recuperá-las através do discurso analítico, ou estamos fadados a estabelecer
novos conjuntos de regras em cada investida analítica? 21
10. Na medida em que uma composição é
fruto de um conjunto de regras, o que temos portanto é uma situação de confronto e/ou
celebração entre dois conjuntos, que não são necessariamente o do
indivíduo e o da arte como Rousseau concebe, e sim entre o
conjunto de regras que precede e aquele que sucede a composição. Nesta situação o
compositor aparece como agente de uma lei que ele próprio propõe mudar 22. Sem regras (sem lei) , não haveria como
mudá-las !
11. Buscando uma epistemologia da
composição, Laske [1991] observa a importância de Husserl para a correta observação
de uma unicidade entre teoria e prática, traduzida pelo seu conceito de "Lebenswelt",
que antecederia qualquer ação e conhecimento humanos, sendo sua base existencial.
Tomando como ponto de partida a idéia de que "o conhecimento do mundo" e o
próprio "mundo" são construções de uma razão que não pretende simplesmente
duplicar o que existe lá fora, seria possível então investigar o conhecimento
composicional como conhecimento-ação, dentro aliás das expectativas de Ornitoparchus23.
11.1. Neste caso, o circuito entre fala
e música deve ser entendido como extrapolando o âmbito do "cogito" em
direção à modelagem de materiais e processos composicionais,
envolvendo a construção de protótipos provisórios até a implementação
de um roteiro composicional que corresponda à idéia e plano
originadores (devidamente atualizados). A constituição de materiais
apropriados para a composição, ou nível analítico deste processo,
introduz uma dimensão de desconstrução inerente a todo processo composicional. A
criação de processos a partir de tais materiais, formaria um nível de síntese,
anterior ao nível de implementação da obra. Este ciclo poderia ocorrer em
qualquer ordem, poderia até mesmo tender a instantâneo, como na improvisação24 .
11.2. Estamos no âmbito de uma
discussão sobre trabalho pré-composicional; sua importância no contexto do ensino de
composição; a relação entre o trabalho que antecede a implementação e o ato
composicional (strictu sensu), que caracteriza a fase de implementação da obra; o efeito
de liberação ou inibição que a pré-composição pode transmitir ao ato composicional 25.
11.3. Estamos tambem no âmbito da
discussão sobre uma Teoria Composicional abrangente, num nível tal de generalização
que permita a invenção de teorias específicas e redutivas. Consistiria de um conjunto
de ferramentas e métodos para construir e interpretar planos composicionais 26.
12. O conceito de lúdico em Widmer nos
interessa porque reúne um conjunto de critérios e procedimentos operacionais (regras
portanto) ativos em seu processo composicional. Deve-se observar que o lúdico não é
considerado idêntico ao não-estabelecido e sim ao processo de construção desse não
estabelecido, onde a alavanca seria a crítica. Essa atitude se espalha em diversas
facetas de sua produção. Olhando para a periferia de determinadas
concepções, identifica fenômenos que se enfocados em profundidade ameaçam a
estabilidade de todo o sistema teórico (Ver Paradoxon versus Paradigma - falsas
relações). Nas epígrafes utilizadas em sua obra musical revela um outro ângulo
do processo; neste caso o discurso falado é que se oferece como alavanca ao discurso
musical. Ao colocar um discurso interferindo sobre o outro, Widmer faz aparecer
semelhanças e incompatibilidades nas estruturas de significação em jogo. A sua
pedagogia da composição segue por caminho idêntico. Peças como Suave Mari Magno op.
97, Ignis op. 102, Ondina e Uma Possível Resposta op. 169 ilustram o
que acabamos de dizer. Esta última trata de uma re-encenação da pergunta de Ives, agora
com esperanças de conclusão, promovidas pela justaposição do Afoxé Filhos de Gandhi
com a Orquestra Sinfônica da Bahia.. Neste confronto étnico-filosófico evoca a origem
mítica de onde a própria metafísica teria se desgarrado, antes do estabelecimento do
logos 27 .
13. O confronto entre o estabelecido e o
que não, nos leva a uma discussão sobre lógica musical. Recorre-se freqüentemente à
argumentação de que a música não possuiria conceitos; ela diz algo, mas
esse algo não pode ser abstraído. Mas há uma proximidade entre certos aspectos da
música e os conceitos primitivos da epistemologia 28
. A identidade pode se qualificar como princípio de lógica musical, mas sob que
condições podemos dizer que algo é idêntico a algo em música, se a linha de tempo
atribui a cada ponto um significado específico ? E a negação?29 A discussão vai refletir diretamente sobre
o campo de teoria e de construção motívicas, o conceito de Grundgestalt, o conceito
Schenkeriano de prolongação, e as operações utilizadas em teoria dos conjuntos.
14. A permanência de determinadas
combinações sonoras (fórmulas cadenciais por exemplo), ativaria uma outra dimensão de
significação, uma espécie de "segunda natureza". Neste caso, poderíamos
falar de um processo de reificação, e dos mecanismos de circulação e valoração dos
objetos musicais. O que dizer de processos arquetípicos como o "gap-fill"
(espaço-preenchimento) de Meyer, seriam reificações de longa duração ? Ou já seriam
indicadores de nosso funcionamento cognitivo? Há todavia capacidades cognitivas não
utilizadas até o momento e esse é certamente um tema de teoria composicional 30. Um tema que se insinua na
discussão sobre os limites do audível em composição: "Nós compositores
escrevemos apenas o que ouvimos, e ouvimos tudo que escrevemos?" 31 .
15. A significação em música
dependeria do grau de incerteza que um evento antecedente estabelece com relação à
expectativa de um evento conseqüente 32
. Uma variante desta formulação nos fala de um conflito entre aquilo que se ouve e
aquilo que está sendo negado (contradito) pelo que se ouve. A lógica da música
dependeria desta tensão, que encontra seu clímax quando um máximo de contradição é
combinado com um máximo de unidade entre os elementos que se opõem (ou se unem).
16. Enquanto a lógica conceitual
trabalha com previsibilidade (Se todo M é P, algum S é M, então ...), a lógica musical
depende de imprevisibilidade 33 .
17. Quem se aproxima do universo
afro-baiano depara com a "Vassi" 34
uma seqüência de doze pulsos que aparece no Gã (Agogô) do Alujá de Xangô; depara
tambem com essa dialética constante entre material e processo em composição. Todo
material olhado mais de perto se transforma em feixe de processos.
Ex. 1 (Alujá)
Pensando na Vassi como uma série de
proporções (ou seja, já arrumando os dados como materiais composicionais) temos o
seguinte : (2+2+1+2+2+2+1) = 12. Olhando para o Le/Rumpi percebemos uma divisão
assimétrica interna [ (2+2+1) + (2+2+2+1) ==> 5 + 7 =12 ]. Essa assimetria gera um
delicioso conflito com as expectativas mais estáveis (6 + 6 ; 3+3+3+3). Esse conflito
seria o responsável pela possibilidade de movimento perpétuo característico
do Alujá (e de outros padrões). Estamos falando portanto de duas fontes conflitantes de
acentuação rítmica, de imprevisibilidade, do lúdico 35
.
Não custa muito para descobrirmos que
as duas metades da Vassi são idênticas, sendo que a segunda é deslocada de um pulso,
criando assim overlapping e assimetria (5+7).
18. Através do mapeamento de
proporções é possível estabelecer relações de proximidade entre os padrões
rítmicos afro-baianos. Da Vassi ao Alujá (Igbin) e daí ao Barravento ==> Agabi
==> Batá ==> Sató (Bravum) ==> Giká. Outra linha conecta Vassi ==> Avaninha
==> Congo ==> Kabila. Uma terceira, Vassi ==> Ijesha ==> Opanijé ==> Daró
==> Aguere. Quando a gente compara o Giká com o Alujá, percebemos que o trabalho com
proporções já é inerente ao pensamento composiconal do contexto. Mais do que na
transcrição ela está presente na realização motora dos padrões.
Ex. 2 (Giká e demais padrões)
19. Estamos lidando com um pensamento
composicional onde a economia de meios é um critério importante; a
construção de assimetria é feita com o deslocamento de unidades idênticas (2+2+1+2),
algo da ordem de um classicismo. Mesmo sem a muleta da atribuição de
causalidade a um ego específico, queremos saber a que desejo atende esse pensamento
composicional 36
Simbolicamente processado no interior de
uma sociedade, o ato composicional e a questão do desejo que o produz passam
evidentemente pelo acesso ao prazer e êxtase que um determinado pensamento composicional
concretize, e que ao mesmo tempo é um acesso à ordem e à lei.
20. Quatro exemplos de tratamentos
distintos da Vassi, ou de partes dela, ilustram como o universo contemporâneo pode se
relacionar com o universo afro-baiano: Duo para violino e piano (1981) de Ernst Widmer,
Mesmamúsica (1987) de Jamary Oliveira , onde a permanência do fragmento [2+2+2+1]
sustenta um fluxo variável de transformações; Ritual (1987) de Lindembergue Cardoso,
construída sobre uma deformação de uma das metades da Vassi; Atotô do Lhomme
armé (1993) de minha autoria, que implanta as proporções da Vassi, no desenho melódico
da melodia medieval francesa, a partir de uma semelhança entre as duas estruturas. e faz
deste formato básico o ponto de partida para um tratamento variacional.
Ex. 3
21. De um lado a imprevisibilidade, do
outro a inevitabilidade. A música vem de "müssen" e não de "können";
Beethoven e o "Muss es sein? Es müssen sein" . Schopenhauer aparece no
cenário e diz que a música é "expressão direta da vontade".
22. Adorno [1994] complementa : "Em
comparação com a linguagem ordinária, a música é uma linguagem de um tipo
completamente diferente. Aí reside seu aspecto teológico. O que a música diz é uma
proposição ao mesmo tempo distinta e velada. Sua idéia é a forma do nome de Deus. É
prece demitologizada, libertada da mágica de fazer algo acontecer, a tentativa humana,
fútil como sempre, de nomear o próprio nome, e não de comunicar significações".
23. No universo afro-baiano a
identificação com a divindade através da música é mais do que problema composicional,
é tambem solução. No contexto afro-baiano, aproximar-se da forma do nome de Deus exige
um estado alterado de consciência, para o qual a música seria uma passagem. Trata-se de
particularidade africana, mítica, tribal, ou mantivemos no Ocidente mecanismos
semelhantes mesmo que drasticamente transformados ?
24. O campo do conhecimento
composicional, se limitado à capacidade de expressão de um ego, ou seja, visto como o
conjunto de problemas composicionais que este ego pode propor, ficará ele próprio
recortado de sua dimensão de imprevisibilidade e de capacidade lógica. O ego, afinal de
contas é tambem uma representação, embora nos pareça algo autônomo e unitário,
"distintamente demarcado de tudo o mais. Ser essa aparência enganadora - apesar de
que, pelo contrário, seja continuado para dentro, sem qualquer delimitação
nítida..." 37 . O grande
dogma da composição é o Inconsciente, e o Inconsciente ninguém usa, pelo contrário,
nós é que somos usados por ele. O Inconsciente repete, mas não se sabe de que forma
repetirá.
25. "Certa feita conseguiu-se a
seguinte paradoxa declaração de princípios: principalmente estamos contra todo e
qualquer princípio declarado, o que não deixa de ser um princípio." 38
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Notas
1. Agradecemos ao Prof.
Miguel Bordas (FACED-UFBa) , Coordenador da Mesa onde o trabalho foi apresentado na SBPC,
o cuidado com que preservou o texto e a gentileza de nos permitir acesso ao mesmo.volta
2. Quigley [1961];
trata-se de nota do próprio texto de Widmer.volta
3. Esta é uma direção
claramente relacionada com a Etnometodologia de Garfinkel que surgindo no âmbito da
Sociologia, propõe uma revisão crítica do próprio conceito de fato,
herdado de Durkheim, não mais como uma imposição da realidade externa, e
sim como construção dos indivíduos. A Etnometodologia desiste de trabalhar com matrizes
discursivas que não estejam sendo tecidas pelos próprios sujeitos, que desta forma se
tornam sociólogos leigos. Há no momento, uma tese sendo orientada por Coulon, na
Universidade de Paris VIII, que analisa situações de master-class, quando o intérprete,
acuado pela ineficácia da linguagem ordinária, passa a veicular instruções
onomatopáicas, simulando o texto musical. O interesse relativamente recente sobre
enfoques musicais fenomenológicos, Clifton [1983], parece caminhar na mesma direção.volta
4. Sempre houve grande
influência das doutrinas retóricas sobre a música, em função da ligação ancestral
entre música e texto; no entanto a influência continua após o advento da música
instrumental.. Buelow [1980], traça um perfil desta influência sobre a prática
composicional, pelo menos até o Século XVIII. A origem greco-romana dos textos centrais
para o desenvolvimento da retórica da música é Aristóteles, Cícero e Quintiliano.volta
5. De acordo com Lerdahl
e Jackendoff [1983], "uma teoria abrangente da música deveria dar conta da
totalidade das intuições musicais do ouvinte. Este objetivo é obviamente prematuro. No
presente estudo ficaremos restritos aos componentes naturalmente hierárquicos da
intuição musical. Propomos quatro desses componentes, todos eles participando de uma
descrição estrutural de uma peça. Como visão inicial podemos dizer que a
estrutura de agrupamentos expressa uma segmentação hierárquica da peça em
motivos, frases e seções. A estrutura métrica expressa a intuição de que
os eventos da peça são relacionados a uma alternância regular de tempos fracos e
fortes, em vários níveis hierárquicos. Time-span reduction confere às
alturas de uma peça uma hierarquia de importância estrutural com relação a
suas posições na estrutura métrica e de agrupamentos. Prolongational
reduction confere às alturas uma hierarquia que expressa tensão e relaxamento
melódico-harmônico, continuidade e progressão." Fazem isso, adotando o modelo
linguístico de "well-formedness rules", que especificam as descrições
estruturais possíveis, e "preference rules", que designam a partir das
descrições estruturais possíveis aquelas que correspondem à audição de
ouvintes experientes.volta
6. Nattiez [1975: 189],
nos diz que os termos de uma análise musical, mesmo as mais técnicas, são
interpretantes, ou seja, uma maneira especial de simbolizar o objeto musical.
A Semiologia seria então o estudo do conjunto das associações simbólicas feitas com
relação a uma música.volta
7. Uma pergunta básica
nesta teoria é sobre a possibilidade de aplicação em música dos conceitos de enredo
(ou estória) e discurso como níveis distintos de significação. volta
8. A referência aparece
em Nef [1995] : "Pois se existem seres visíeis, audíeis e universalmente
sensíveis, e de uma existência que nos é exterior, desses seres, os visíveis são
percebidos pela vista, os audíveis pelo ouvido, e esses sentidos não podem trocar os
seus papéis. Assim sendo, como se poderá revelar a outrem esses seres ? Pois o meio que
temos de revelar é o discruso; e o discurso não é nem as substâncias nem os
seres." volta
9. Este é um dos temas
prediletos do Wittgenstein [1994:43] das Investigações Filosóficas, quando afirma que
"de uma coisa não se pode afirmar que tenha 1 m de comprimento : do
metro-padrão de Paris. - Com isso não estamos atribuindo a este uma propriedade
estranha, mas apenas caracterizamos o seu papel peculiar no jogo de medir com o
metro".Continua com preocupação semelhante ao perguntar : "Como é que as
palavras se relacionam com as sensações ? Não parece haver nisso nenhum problema; pois
não falamos diariamente de sensações e lhes damos nomes? Mas, como é que se faz a
ligação do nome com o denominado? É o mesmo que perguntar: como é que um homem aprende
o significado dos nomes das sensações? - p. ex., da palavra dor ".volta
10. A Semiologia surge
imediatamente como polo de investigação, mas vale a pena insistir sobre outras
possibilidades (algumas já mencionadas anteriormente) tais como a Análise do Discurso, a
Etnometodologia, a Psicolinguística, a Filosofia Analítica, a Fenomenologia e a
Psicanálise.volta
11. Aristoxeno de
Tarento (c.375-60 BC; d? Atenas), foi aluno de Aristóteles. Defende a idéia de que o
ouvido deveria ser o critério principal na divisão da oitava, e portanto na formação
de escalas. Propõe a divisão da oiava em seis tons, e estes em semitons. Ver
Winnington-Ingram [1980] e Palisca [1980] para quem Aristoxeno "começa com a
experiência sensorial dos sons musicais e constrói uma teoria através da análise
dialética".volta
12. Ver Marin [1982]volta
13. Ver Swanwick[1990]
e Peacock [1994]. volta
14. Lynch [1993], é um
exemplo de trabalho nesta direção, em meio a uma farta literatura que se desenvolve
rapidamente. Lynch investiga a formação de representações prototípicas como essencial
à vivência da música. volta
15. Ver "Música e
Psicanálise: Uma Possível Interface", artigo de minha autoria a ser publicado nos Cadernos
de Análise Musical, dez.95. volta
16. Ver Dunsby [1981]volta
17. Verbete
"Komposition" da MGG, Ver Ferand, Ernest.volta
18. Rousseau [1969]volta
19. Ver Skinner [1976]volta
20. Ver Adorno [1994]volta
21. Parece adequado
perguntar pelo prazer da análise musical. Seria possível abordar as propostas
analíticas do ponto de vista do prazer que produzem ?volta
22. Esse o lugar de
ambigüidade de gozo do compositor, que além de agente da lei é seu perspicaz algoz. volta
23. Ver Laske [1991]volta
24. Laske [1991]
trabalha com os conceitos de example-based (tomando exemplos como base) ou
rule-based composition (tomando por base um conjunto de instruções ou
regras). volta
25. Ver Keller [1994]volta
26. Ver Morris [1987]volta
27. A peça Ondina
está a merecer uma análise a partir da metodologia do contorno de Friedmann [1990].
Apresentamos em anexo uma lista da produção teórica de Ernst Widmer.volta
28. Ver Adorno [1994]
volta
29. Esse é um ponto
crucial na abordagem das relações entre linguagem falada e música. Como negar algo em
música ? Como negar uma linha melódica (dó-mi-sol. ...) ? volta
30. Ver Laske[1991] e
estrutura micro-temporal. volta
31. Ver Keller [1994] e
auditividade.volta
32. Ver Meyer [1982].volta
33. Ver Keller [1994]volta
34. Terminologia de
Gabi Guedes, meu professor no contexto.volta
35. Ver Kramer [1989].volta
36. Neste sentido, a
Psicanálise da Cultura surge como uma promessa teórica.volta
37. Ver Freud [1920] volta
38. Widmer, JB 22.2.69;
a formula;ão é atribuida ao Grupo de Compositores da Bahia como um todo. volta
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